15 de junho de 2009

A Bíblia e o Sopro de Deus - parte I - Inspiração e Palavra


Toda a Escritura é inspirada por Deus, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça
II Timóteo 3.16.

Esta confiança e firmeza é professada durante todos esses séculos pelos cristãos, expressando através dela uma base de suas fontes para a vivência do cristianismo, expressão doutrinária, apoio para espiritualidade e devoção. Como reza a tradição anglicana, à qual pertenço, as Escrituras contém “todas as coisas necessárias à salvação”.

O trecho “inspirada por Deus” é do grego theopneustos, literalmente “soprada por Deus”, algo que indica a ação do mover do Espírito de Deus.

Vamos tentar apresentar algumas imagens para ajudar o entendimento dessa relação com a Escritura. Não será uma exposição teológica acadêmica, mas uma busca de compreensão, com algumas ferramentas intelectuais de auxílio, para facilitar nosso entendimento da ecumênica e histórica autoridade da Bíblia para a igreja cristã, e uma “via média” dentre as variações de abordagens sobre ela.

Já começamos por apresentar essa noção central: de que o Espírito de Deus está atuando nas Escrituras. Qual seria uma implicação vital disso? Seria importante nos remetermos a um atuar do Espírito que já abordamos no texto “Festa de Pentecostes, parte I”, que seria a atuação vivificadora; a capacitação de agentes de Deus para execução de tarefas especiais; a consagração para legitimar um mensageiro de Deus.

Assim, Deus agiu sobre as faculdades humanas envolvidas na composição e edição do texto bíblico; não suprimiu essas faculdades, tampouco transformou as pessoas envolvidas em meros fantoches passivos em que Ele agiu. A imagem do “tesouro em vaso de barro” é eficaz para ilustrar isso.

Os cristãos se referem também a Bíblia, historicamente, como “a Palavra de Deus”. Isso significa necessariamente que cada termo, letra, passagem, seria um ditado direto de Deus para nós? Não falo disto. Vamos refletir sobre como esse conceito, o da “Palavra de Deus”, foi tratado dentro da própria Bíblia. No Salmo 119.89, fala-se dela como fundamentada na fidelidade eterna de Deus, ela permanece com Ele para sempre, este é o fundamento para a orientação e retidão; Sl.147.15-20, ela é retratada como impetuosa, implacável, apresentando seus juízos; em Isaías 55.10-11, o mesmo ocorre, com a ênfase no confronto com os propósitos divinos.

Agora, um ponto vital: Jesus é nos apresentado na abertura do Evangelho de João como o Verbo, Logos. Ocorrera aí uma fusão de imagens do conceito grego, orientado mais para o princípio racional do cosmo, que estrutura sua ordem (algumas vezes elevado a categoria divina no pensamento grego), e a “Palavra”, dos hebreus, nos sentidos que colocamos. E fala que o Verbo -> Jesus era Deus, desde o princípio. Isso implica a personificação do Verbo de Deus. Se mostra então que em Jesus se expressou a vontade, ética, propósito, de Deus, alicerçado na sua Razão criadora e fundamentadora da criação.

Sendo assim, a Verdadeira Palavra de Deus, para os cristãos, que deve ser o prisma pelo qual a Bíblia deve ser lida e no sentido do qual ela pode compartilhar e ser também Palavra de Deus, é Jesus.

Prosseguindo, penso que, com cautela, algumas alusões facilitadoras poderiam ser tomadas de empréstimos das reflexões de importantes teólogos sobre um outro tema. Eu tomaria, buscando logo aqui ser prudente se tratando de um tema delicado, as reflexões de Calvino, Zuínglio e Melanchton sobre a Eucaristia o Ceia do Senhor. O foco aqui não é esse Sacramento [ que significa sinal divino] em si; não estou pregando, defendendo ou tentando incutir a percepção deles, que é uma percepção importante, dentre outras sobre esse importantíssimo elemento da adoração, teologia e da vida cristã. Apenas vi, nas exposições deles, coisas úteis para ilustrar a temática aqui desenvolvida das Escrituras.

Zuínglio evoca a imagem do anel de uma rainha. Estando acima de uma mesa, visualizamos apenas uma anel comum a nível dos outros. Ele estando nos dedos da rainha, adquire um outro patamar, e um outro nível de significação. Ele ali, tendo sido conferido a ela pelo rei, possui associações com sua autoridade e majestade, a partir da ligação do rei com a rainha, o anel já não é mais do valor de que seria por si mesmo, apenas pelo seu material e forma.

Melanchton refletia sobre a Eucaristia, na perspectiva de que com o pão e vinho, [não sendo eles próprios, os elementos], Cristo “está verdadeiramente presente e ativo nesta participação [na Ceia]”. João Calvino, sob uma ótica estreitamente similar, afirmava que pela “ação espiritual de seu Espírito o Cristo Celeste oferece o corpo e sangue aos crentes”. Afirmava que a Comunhão com Cristo é real, cuja presença real só é dada àquele que crê por obra do Espírito Santo.

Como havia falado antes, minha preocupação aqui de forma alguma é para discutir esse Sacramento, mas pego emprestada essas imagens, independente da questão se são as apropriadas ou não para a Eucaristia ou Santa Comunhão, para poder ilustrar, mediante uma transposição, a noção aqui sobre a Palavra de Deus e a Bíblia.

Diria que o exemplo de Zuínglio se aplica no nosso foco. A Bíblia, por si mesma apenas, seria um livro como outros, ou melhor, um conjunto de livros, podendo ser estudada e lida como os outros. Contudo, no que afirmamos acima sobre o papel do Espírito nela, sob a inspiração de Deus ela adquire uma nova dimensão de significado, associando-se com Àquele de quem o Espírito provém, de forma a adquirir um valor que vai além de seu material literário em si. Nela, está verdadeiramente presente e ativo Deus, participando com ela pela ação de Seu Espírito em uma comunhão com aquele que crê, e sua presença real nela é dada àquele que crê por obra do Espírito Santo.

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