25 de janeiro de 2011

Na Escuta, no Silêncio, na unidade

Sermão do Arcebispo Anglicano de Cantuária, Sua Graça Revdma. Rowan Williams, em Vesper - Catedral de Westminster,  durante a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, há dois anos, 22 de janeiro de 2009.


Ouvimos o Evangelho e qual é o sotaque que nós ouvimos, qual é o tom que pegamos? É uma voz que é devastadoramente crítica do auto-engano de tantos tipos de religião, devastadoramente crítica da justiça própria e auto-satisfação. É uma voz que é mesmo capaz de soar com raiva ao ver o sofrimento dos filhos de Deus. É uma voz que rompe qualquer número de barreiras e obstáculos, para falar uma palavra de amor para o culpado ou os perdidos. É uma voz que na cruz grita em sofrimento inimaginável à Deus Pai e fica em silêncio depois de um grande grito. E é a voz que é instantaneamente reconhecível para os discípulos no dia de Páscoa quando se pronuncia a palavra 'Paz'. "A paz esteja convosco", a primeira saudação do Cristo Ressuscitado.

Jesus nos diz no Evangelho que ouvimos há poucos minutos (João 10,14-16) que a unidade acontece quando as pessoas estão ouvindo sua voz. "Eles vão ouvir a minha voz", diz ele, "e haverá um só rebanho e um só pastor." E assim, a implicação parece ser que, quando não há um só rebanho e um só pastor não estamos escutando a sua voz. Unidade vem quando todo o povo de Deus está todo a ouvir e reconhecer a voz de Jesus Cristo junto. E isso significa que o coração de nossa busca da unidade é muito simplesmente a busca pelo silêncio quando somos capazes de juntos, ouvirmos a voz de Jesus.

Quando nos reunimos como cristãos, devemos abrir nossos corações e nossas mentes para que possamos ouvir Jesus. Tentamos ouvir Jesus no outro, ouvir o que Jesus Cristo está dizendo a nós através da boca de um estranho, alguém com outra lealdade, outra teologia. Buscamos juntos, em silêncio, ouvir a palavra de Deus, na Escritura, na voz do povo de Deus ao longo dos tempos. E oramos para que quando estamos no ápice do silêncio suficiente, bastante livres, bastante pacientes, amando bastante, vamos ouvir sua voz. Então, e somente então, haverá um só rebanho e um só pastor.

A busca da unidade é muitas vezes um negócio de muito palavrório. Nós gostamos de falar sobre as coisas que nos interessam, dividem-nos, entusiasmam-nos e às vezes (cristãos sendo cristãos) temos muito gosto de falarmos entre nós em exaustão. Existem alguns tipos de diálogos ecumênicos (longe de mim para dar alguns exemplos), quando falar entre si exaustivamente parece um pouco como a ordem do dia. Mas hoje, pela graça de Deus, estamos aqui reunidos para ouvir: ouvir um ao outro, para ouvir a voz de Jesus. Estamos aqui também para lembrar d o Bom Pastor, como ele levanta bons pastores de sua igreja, levanta e concede dons com os quais as pessoas são capazes de fazer os outros ouvirem porque elas próprias ouvem a voz de Jesus.

Então damos graças a Deus pelo maravilhoso ministério entre nós do Cardeal Cormac, que certamente é o que estamos celebrando: um pastor, porque ele ouve a voz de Jesus, é capaz de deixá-lo ecoar em seu ministério. Cormac foi um grande servidor da unidade da Igreja, em grande parte devido ao grande dom de ouvir Jesus, de ajudar os outros escutarem, e de fazer muitas conversas ecumênicas em que ele esteve envolvido muito mais do que ruído competitivo.

Um bom pastor ecoa a voz de Jesus, porque um bom pastor tem estado pura e simplesmente a escutá-lo, paciente e silenciosamente. Ouça as pessoas o tempo suficiente, como todos sabem, e você começa a pegar alguns dos sotaques e as inflexões das pessoas que você está ouvindo. (Quando eu passo muito tempo o suficiente de volta em casa no País de Gales eu descubro que o meu sotaque do Vale Swansea retorna). Todos nós, eu acho, temos experiências similares: nós pegamos o som distinto daqueles em cuja companhia nós estamos. E a lição não é uma questão complicada. Se nós estamos indo captar e transmitir a voz de Jesus temos que passar um tempo em sua companhia, para que seu sotaque e o tom de voz seja a nossa.

Ouvimos o Evangelho e qual é o sotaque que nós ouvimos, qual é o tom que pegamos? É uma voz que é devastadoramente crítica do auto-engano de tantos tipos de religião, devastadoramente crítica da justiça própria e auto-satisfação. É uma voz que é mesmo capaz de soar com raiva ao ver o sofrimento dos filhos de Deus. É uma voz que rompe qualquer número de barreiras e obstáculos, para falar uma palavra de amor para o culpado ou os perdidos. É uma voz que na cruz grita em sofrimento inimaginável à Deus Pai e fica em silêncio depois de um grande grito. E é a voz que é instantaneamente reconhecível para os discípulos no dia de Páscoa quando se pronuncia a palavra 'Paz'. «A paz esteja convosco", a primeira saudação do Cristo Ressuscitado.

E assim nós buscamos ouvir, esses são os tons, os sotaques, que pegamos; que temos que tentar treinar nossas próprias vozes para ecoar. Ou melhor, se ouvirmos o suficiente - o silenciosamente o suficiente, pacientemente o suficiente, e carinhosamente o suficiente - é isso que vai ecoar na câmara de nossos corações e assim ser ouvido em nossas próprias vozes.

Sem isso não há reconciliação. Porque se é verdade que somente a Palavra de Deus pode trazer a paz definitiva para nossos medos, nossas guerras e as nossas rivalidades, é somente quando estamos em silêncio ansiando por essa Palavra, essa voz, que Deus pode romper e fazer a diferença.

Que Deus nos dê todo o silêncio e paciência para ouvir. Que o Pai nos ensine tudo o necessário para falar com o sotaque de seu Filho, e para proferir em nome de seu Filho aquelas palavras que irão quebrar barreiras. Que possamos aprender de novo e de novo para ouvirmos juntos, para ouvir uns aos outros e, então, pela graça e dom de Deus haverá "um só rebanho e um só pastor".

18 de janeiro de 2011

Para o coração de Deus

Oração pela paz
Leipizig, 1989, pouco antes da queda do muro de Berlim

Deus, Criador do céu e da terra,
Está na hora de que venhas,
Pois nosso tempo está acabando,
E nosso mundo passa.
Deste-nos vida com paz uns com os outros,
Nós a destruímos na luta entre nós.
No equilíbrio firmaste a tua criação.
Nós quisemos o progresso e nos arruinamos.
Vem, Criador de todas as coisas,
Renova a face da terra.

Vem, Senhor Jesus,
nosso irmão na caminhada.
Vieste para buscar o que está perdido.
Vieste até nós e nos achaste.
Leva-nos no teu caminho.
Esperamos pelo teu reino,
Assim como esperamos pela paz.
Vem, Senhor Jesus, vem já.

Vem, ó Espírito da vida:
Inunda-nos com tua luz.
Penetra em nós com teu amor.
Desperta nossas forças pelas tuas energias,
e permite que estejamos inteiramente presentes na tua presença.
Vem, Espírito Santo.

Deus Pai, Filho e Espírito Santo,
Deus triúno,
Unifica contigo esse mundo dilacerado
e faz com que nós, pessoas, nos tornemos eternos em ti,
unidos com toda a criação,
que te louva e exalta
e que está feliz em ti.
Amém.


Deus não é necessário para ganhar dinheiro, adquirir poder ou conquistar bem-estar. Também não é necessário para nos dispensar do mal, do sofrimento ou das desgraças da vida. Deus serve, para nós, crentes, para enfrentarmos com uma luz, um estímulo e um horizonte novo a dureza da vida e o mistério da morte.

José Antonio Pagola, autor de Jesus - aproximação histórica



Em breve, texto desenvolvendo o tema da postagem "Profanação"...

7 de janeiro de 2011

Profanação

"Sim", disse eu, "é essa, de todas as palavras humanas, a que arrasta consigo a carga mais pesada. Não há outra palavra que tenha sido tão conspurcada e aviltada. Justamente por isso não posso renunciar a ela. Sobre essa palavra as gerações dos homens colocaram todo o fardo de suas energias, rolaram-na e derrubaram-na por terra; ela encontra-se no pó, esmagada pelo peso de todos eles. Com suas divisões religiosas, as gerações dos homens a dilaceraram; por ela eles mataram e por ela morreram; ela carrega em si os vestígios e o sangue de todas as gerações. Onde poderia eu encontrar palavra igual para designar o Altíssimo? Se tomasse o conceito mais pura e mais brilhante do mais íntimo tesouro dos filósofos, não encontraria nele senão uma pálida imagem, mas jamais a presença daquele de quem estou falando, daquele que as gerações dos homens exaltaram e humilharam com sua vida e morte. É a ele que me refiro, é a ele que se referem as castigadas gerações dos homens que querem conquistar os céus. É verdade que eles desenham uma careta qualquer e escrevem embaixo 'Deus'; matam-se uns aos outros dizendo 'em nome de Deus'. Mas, quando toda a sua loucura e engodo passam, quando se defrontam com ele no mais recôndito de sua solidão e deixam de dizer 'Ele, Ele', passando a suspirar 'Tu, Tu', quando gritam 'Tu', quando todos gritam o Uno, e quando então acrescentam 'Deus', não é o Deus real que eles invocam, o Único Vivo, o Deus dos filhos dos homens?! Não é ele que os escuta? Não é ele que os ouve? E não é justamente por isso que 'Deus' é a palavra de invocação, a palavra que se tornou nome, por todos os tempos santificada, em todas as línguas dos homens?  Os que a rejeitam por se rebelarem contra a injustiça e os abusos dos que tanto buscam dominar os outros em nome de 'Deus' precisam ser respeitados, mas nós não podemos desistir. É compreensível que muitos proponham que por algum tempo não se fale das 'últimas coisas', a fim de remir as palavras que se têm profanado! Mas não é assim que essas palavras devam ser redimidas. Não podemos lavar a palavra 'Deus' nem podemos consertá-la, mas podemos, manchada e rasgada como está, levantá-la do chão e erguê-la nas horas de grande preocupação".

Martin Buber, prefácio de "Eclipse de Deus".