27 de julho de 2010

Qual a paz que eu quero conservar pra tentar ser feliz?

O profeta Amós teve seu ministério de menos de um ano em um período entre o ano 60 ao início da década de 40 do século VIII antes de Cristo, provavelmente nos meados da década de 50. A nação israelita estava dividida em dois reinos, o “do Norte” e o “do Sul”, Israel e Judá. No primeira havia o reinado de Jeroboão II, e em Judá, Ozias (ou Azarias).

A atuação de Amós, que era proveniente de Téqoa, em Judá, fora no Reino do Norte, que estava em período de grande impulso de desenvolvimento em aliança com o poderoso império de então, a Assíria. Ampliou as fronteiras do reino (II Reis 14: 25; 28). Fora um período de estabilidade, e dos de melhor convivência entre os dois reinos, que se seguravam mutuamente na sua aliança com o Império ante coligações antiimperiais da região siríaca. Amós via a geopolítica pelo prisma ainda do plano de salvação de Deus, e como tal via a união do povo para além das questões políticas-estatais. Neste período propício a grande ufanismo e chauvinismo, e auto-complacência entre o povo, este homem, criador de rebanhos e cultivador de sicômoros, que não era membro do círculo religioso oficial nem de alguma linhagem ligada (Amós 7.14), apresenta algo que soava extremamente perturbador, da parte de Deus:
 
Eu vos punirei por toda a vossa culpa. 3:2
Cuuulpa? Quem é este perturbando a paz?

Ele ataca a consciência despreocupada do povo se julgando privilegiados e acobertados por Deus: “Não mais passarei ao largo por ele mais outra vez” – 7:8;8:2, aludindo a tradição da Páscoa em que Deus “passa ao largo” dos israelitas (Ex. 12:23,12) os poupando, e vai além: “Passarei no meio de ti” – 5.17. Há um juízo pairando sobre a nação. Por que, oras?


Amós sintetiza: “Eles não sabem praticar o que é direito” -3.10.
Eles vendem o inocente por dinheiro
E o pobre por causa de um par de sandálias.
Pisam a cabeça do humilde no pó
E empurram os miseráveis para o lado.
2:6
Eles acumulam violências
e injustiça nos seus palácios.

Houvera ainda por cima um terremoto (prelúdio do livro) em que ficara exposta ainda mais a injustiça, com os mais socialmente vulneráveis suportaram uma carga absurdamente desproporcional das conseqüências, revelando a ilegitimidade e maldade das estruturas opressoras sobre as quais repousava o desenvolvimento do país. E antes todos estavam acomodados com isso. Ele aponta como tal situação era um sintoma crônico de um problema mais profundo: o rompimento da Aliança e a hipocrisia religiosa: a alienação das pessoas ante a Deus e Seu caráter, ainda que aparentemente a religião formal propiciava o cimento para a coesão social. “Vinde a Betel e cometei sacrilégio” -4:4. “Detesto, desprezo vossas peregrinações, não posso suportar vossas assembléias quando me fazes subir holocaustos; e em vossas oferendas nada há que me agrade; vosso sacrifico de animais cevados, dele viro o rosto; afasta de mim o alarido de teus cânticos, o toque de tuas harpas, não posso nem ouvi-lo”. 5:21-23.


É expondo essas gangrenas que o profeta se encontra em sua vocação, e proclamar a visão de Deus o move e nela ele se auto-referencia: 
IWHW me tirou de após o gado e me disse: Vai e profetiza ao meu povo Israel!. 7:15.

A auto-confiança religiosa só fazia aumentar a responsabilidade que o povo pedia pra si – 3:2. Ele apresenta as contradições – 3:3-6; 6:12. Coloca como se estava provocando a soberania e a liberdade de Deus – 9:3. Faz a retrospectiva histórica – 2:9. Exorta ao arrependimento reconhecendo estes pecados – 5:4,5; 6:2. Coloca de forma visceral as conseqüências catastróficas do estado das coisas e a sensação artificial de segurança calcada em mancomunações frágeis 2:6-16. Denunciara a auto-indulgência dos socialmente privilegiados ( madames, comerciantes exploradores, líderes corruptos, magistrados e agentes do direito corrompidos, sacerdotes estelionatários – 4:1;6:1-4;7:8-9). Conclama a lutar contra as estruturas promotoras da injustiça e exploração 2:6-8; 4:4-5; 5:7, 1-11,15, 24;6:12; 7:7-9, pela transformação delas em nome de uma outra racionalidade. (...) “ e mesmo assim vocês não se voltaram para mim” (4:6,8-11).

Chega a um ponto em que a desgraça iminente é inevitável; o castelo de cartas marcadas vai ruir, e o povo vai se machucar 7.10-17.

Ex: Mas o Senhor lhe diz:
‘Sua mulher se tornará uma prostituta na cidade, e os seus filhos e as suas filhas morrerão À espada. Suas terras serão loteadas,
E você mesmo morrerá numa terra pagã.

E toda a ordem geopolítica calcada em semelhantes estruturas sócio-culturais putrefatas desmoronará: 7:1-9:4.

Chegou o fim de Israel, meu povo – 8.2

Mas Deus não deixará que a própria sepultura que o homem cava para si tenha a palavra final 9.11-15. Ele tem um plano redentor, e não entregará a sua boa criação ao mal. Quem se engajará com Ele? Advertência: O sacerdote de Betel denunciou-o ao rei que o expulsou (7:10-17) como perturbador da ordem pública e ameaça à paz social (5:7,15,24;6:12).

Dias virão –
diz o Senhor –
em que o lavrador segue de perto aquele que ceifa,
e o que colhe a uva, àquele que semeia;
em que as montanhas destilam o mosto da uva
e todas as colinas se derramam.
9:13

20 de julho de 2010

Amizade

A busca do Círculo Íntimo vai quebrar o coração de vocês se, ao contrário, vocês não a fizerem quebrar. Se, no entanto, conseguirem rompê-la, alcançarão um resultado surpreendente. Se nas suas horas de trabalho, fazem do trabalho o seu objetivo, encontram-se nesse momento, sem ter consciência disso, dentro do único círculo de sua categoria profissional que, na verdade, é o que importa. Serão profissionais saudáveis, e outros profissionais saudáveis saberão disso. Esse grupo de profissionais de forma alguma coincidirá com o Círculo íntimo nem com as Pessoas Importantes, os VIP’s, nem com as Pessoas Conhecidas. Isso não se amolda à política profissional nem estimula a influência profissional que luta pela categoria em geral contra o público; nem provocará aqueles escândalos e crises periódicos que o Círculo Íntimo produz. Entretanto, fará tudo aquilo que é o objetivo da existência dessa profissão, e com o passar do tempo, será responsável por todo o respeito que essa profissão de fato desfruta e que os discursos e a publicidade não conseguem manter. E, se nas suas horas vagas se associam apenas com as pessoas de que gostam, novamente vão descobrir que sem perceber estão dentro de um círculo verdadeiro, que estão de fato seguros e confortáveis no centro de algo que, visto do lado de fora, pareceria exatamente um Círculo Íntimo. A diferença é que seu sigilo é acidental, sua exclusividade, um subproduto, e ninguém entrou nele por cobiçar o secreto, pois se trata de apenas quatro ou cinco pessoas que gostam umas das outras e apreciam reunir-se para fazer aquilo que gostam. Isso é amizade. Aristóteles considerou-a uma das virtudes. E talvez seja ela a causa de metade de toda a felicidade do mundo, e nenhum Círculo Íntimo pode detê-la.
C.S. Lewis, "Círculo Íntimo", em Peso de Glória.

Que o Senhor difunda sua misericórdia sobre a família de Onesíforo, pois ele me reconfortou muitas vezes e não se envergonhou de minhas cadeias. II Epístola de São Paulo a Timóteo, 2:16. Cerca de 66 d.C.


Confiram também "Dia do Amigo"

18 de julho de 2010

Buscar Sentido

Estando eles a caminho, Jesus entrou em uma aldeia, e uma mulher chamada Marta o recebeu em sua casa. Tinha ela uma irmã chamada Maria, que, tendo-se assentado aos pés do Senhor, escutava a sua palavra. Marta se afobava num serviço complicado. Ela se aproximou e disse: ‘Senhor, não te importa que a minha irmão me tenha deixado sozinha a fazer todo o serviço? Dize-lhe, pois, que me ajude’. O Senhor lhe respondeu: ‘Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas. Uma só é necessária. Foi Maria quem escolheu a melhor parte; ela não lhe será tirada’.
Lucas, 10.38-42. Tradução Ecumênica da Bíblia

Este texto tem intrigado a muitos no decorrer dos séculos. À primeira vista, damos razão à Marta e dizemos que ela foi injustiçada. Afinal, ela estava fazendo o serviço pesado enquanto outros buscavam seu “verniz cultural”. Ela estava ocupada, estava dando duro. Devia ser muito trabalhoso hospedar Jesus, que chegara com uma comitiva de discípulos, numa cultura em que a hospitalidade era questão de honra.Maria estava tirando proveito do serviço dela.

É só isto?

Que proveito tira o ser humano de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?” Eclesiastes 1.3

Mas, afinal, andamos pra lá e pra cá na vida, ocupados, contabilizando o tempo, cronometrando nossa agenda, dedicando-nos a muitas coisas, buscando, buscando... o quê? Para quê? E se morrêssemos agora, para quê tudo? Tudo passa. Não temos sob controle todos os resultados de nossos esforços. Foi só um desperdício?

E eu, voltei-me para todas as obras que minhas mãos fizeram e o trabalho duro que isso me custou. Pois bem, tudo isso é vaidade e perseguir vento; e não há proveito algum sob o sol”. Eclesiastes 2.11

“Ninguém tem poder sobre o sopro vital para reter este sopro; ninguém tem poder sobre o dia da morte”.
Vejo assim a questão colocada por Jesus. Se entrarmos numa espiral cega em que nossas atividades, responsabilidades e tarefas fiquem um fim em si mesmas, se não tivermos um centro e um alvo final, ulterior, na verdade não temos nada que não possa ser perdido. Na realidade, não satisfazemos nossa necessidade que verdadeiramente é perene e não fugaz.

Eu às vezes pego isso mesmo no ambiente da militância social. Perde-se o rumo de porquê está se lutando. Em prol da luta pelos direitos humanos sociais, econômicos, políticos, e justiça ambiental, não se pára para indagar o quê que as pessoas oprimidas e aflitas na verdade querem. Nós não nascemos para carregar bandeiras. Carregamos bandeiras quando é necessário para vivermos mais dignamente, para podermos usufruir e sorver a vida. Nestes tempos de copa do mundo vi colegas criticando tudo, dizendo que isso faz as pessoas esquecerem dos problemas, se alienarem da política, cria um patriotismo de farsa (e isto é verdade) ilusório, e que queria ver como os chamados “patriotas de chuteira e camiseta verde-amarela” comportariam se tivessem de defender sua pátria de uma invasão ou ingerência. Sim, pertinente, mas em termos. Pois afinal, pra quê que alguém defende a pátria? Como um fim em si mesmo? Pra quê alguém luta, afinal de contas? O que valeria a luta senão, dentre outras coisas semelhantes, o direito de se estar em paz em um lar assistindo um futebol ou outro lazer? Ou as crianças poderem jogar bola em paz?

‘Já que estamos pensando apenas em valores naturais, precisamos dizer que não há nada debaixo do sol tão bom quanto uma família reunida e rindo durante uma refeição, ou dois amigos conversando enquanto tomam uma cerveja, ou um homem sozinho lendo um livro que lhe interesse; e que todas as economias, políticas, leis, todos os exércitos e todas as instituições, se não estiverem prolongando e multiplicando essas cenas, estão apenas trabalhando para nada, arando areia, não passam de vaidade e aborrecimento de espírito”. C. S. Lewis, “Membresia”, em Peso de Glória

Essa cena tem um retrato peculiar. A imagem é de um mestre ensinando uma discípula. Era a posição que os rabinos e intérpretes da Lei educavam seus estudantes, em que ele se inclinava num divã e eles se recostavam aos seus pés. Mas isso não incluía discípulas. A Mishna ‘Abot 1.5 é veemente em enfatizar que falar muito com uma mulher, ainda que seja a própria esposa, era desperdiçar o tempo e se desviar a atenção da Torá, e essa conversa poderia acarretar prejuízo. Então, estamos vendo ali Maria sorver o que seria o que preencheria sua vida de significado e razão de ser. Estava com sede e bebendo da água da vida. Nas escrituras hebraicas, a Sabedoria é descrita como a Fonte: “Desde sempre fui consagrada, desde as origens, desde os primórdios da terra”. Provérbios 8.22. E nó prólogo de João – capítulo I – Jesus é apresentado como a Palavra/Sabedoria/Verbo de Deus que encarnou e veio habitar entre nós.

Grande parte da revolta individualista, do cinismo demófobo, do ódio a tudo o que cheire democratização do acesso aos bens públicos e sociais, e da apologia à injustiça social que podemos ver hoje brota justamente do fato das pessoas terem perdido um centro e um sentido. É o que chamamos “anomia”. O que vai contra o sentido de Jesus, do amor pleno de alteridade e empatia.

“Aqueles que choram pelas sociedades felizes que encontram na história, confessam o que desejam: não o alívio da miséria, mas o seu silêncio. Louvado seja, ao contrário, este tempo em que a miséria clama e retarda o sono dos saciados!”

Albert Camus, em “O Homem Revoltado” p.285.

APERTADOS NA RAIVA DA ESPERANÇA

Carlos Nejar

Apertados
na raiva da esperança,
nos abraçamos.

Há que nascer, crescer.

Acompanhamos
com devota impaciência.

Há que nascer
na paz ou na revolta
um poço, um fugaz
precipício, uma comporta
de órbitas.

Há que nascer, cresce, explodir.

Acompanhamos a esperança,
orfã de pai e de passagem.

Há de nascer, quem sabe,
sob a ponte
em ti, em nosso
próximo ou distante.

Como um cavalo novo.
Um animal do horizonte.

10 de julho de 2010

Os Santos



Os santos são importantes para mim. Eu não rezo para eles, como alguns cristãos fazem. Eu não sei se os santos no Paraíso oram por mim. Mas dou valor a sua vida terrena como prova de que a graça de Deus na vida humana faz uma diferença real.

Por “santos” não me refiro apenas a pessoas que tem que ter “St.” colocado na frente do seu nome. Na verdade, eu não gosto muito da prática de colocar “St.” na frente de nomes de pessoas. Ela tende a sugerir uma categoria bem definida de super-cristãos, com um estatuto muito acima do resto de nós. Mas a santidade não tem nada a ver com status. Além disso, eu tomo por certo que houveram muitas pessoas muito santas que nunca foram muito bem conhecidas para chegarem a ser chamadas “St.”, ou pertenciam a tradições cristãs que não chamam as pessoas “St.” A prática de colocar 'St.' na frente de nomes de pessoas pode servir para chamar nossa atenção para pessoas valem chamar a nossa atenção, mas devemos pensar dessas pessoas como apenas algumas dos muitos "santos" que foram e são.

As pessoas que eu estou chamando de santos são pessoas que refletem Cristo nas suas vidas de tal maneira que as pessoas que os conhecem sentem que sabem que eles conhecem melhor a Cristo. Isto não é porque eles são perfeitos. Eles têm falhas, e estão muito conscientes delas. Sua própria humildade é tal que não há perigo que possamos substituí-los no lugar de Cristo. Eles mesmos nos apontam para Cristo. Mas ao fazê-lo nós acreditamos neles. Quando eles falam de Deus, sabemos que eles sabem o que estão falando. Eles são as pessoas que fazem Deus verdadeiro para outras pessoas. Eu acho que mais pessoas foram convencidas de Deus mais por conhecerem os santos do que por escutarem argumentos.

Os santos são todos muito diferentes uns dos outros. Quando você conhece um, você pode ficar muito surpreendido com o próximo que você conhece. Os tipos mais inesperados de pessoas podem vir a ser santos. Mas o reflexo de Jesus Cristo em todos eles é inconfundível. Evidentemente, a obra de Deus de fazer as pessoas como Jesus Cristo não os reduzia uma uniformidade enfastiante. Toda a rica variedade da personalidade e do caráter humano e todas as circunstâncias muito diferentes da vida humana, em diferentes culturas e situações, todos vão para a fábrica de santos. O caráter de Cristo vem como expressão em toda essa variedade. Nós começamos a conhecê-lo melhor quando encontramos a sua influência refratada através de uma gama tão ampla de vida humana.

Santos podem ser muito perturbadores. Podemos esperar que iriam confirmar nossas idéias do ideal humano: o saudável, feliz, bem integrado, despreocupado, indivíduo sociável que todos nós gostaríamos de ser. Mas os santos são pessoas que avaliam Deus muito mais sério do que a maioria de nós. Pelos padrões normais alguns podem parecer irresponsáveis, insensatos, estranhos, intensos, selvagens, extremos. Eles podem lutar com outras nossas tentações para as quais nunca atentamos porque costumamos ceder a elas. Eles podem se misturar fácil justamente com o tipo de pessoas que a maioria de nós evita. Eles podem ser tão sinceros que muitos de nós pensaríamos que são desequilibrados. Eles são todos diferentes, mas a seriedade com que eles encaram a Deus, muitas vezes leva-os a infrequentadas trilhas da vida humana que o restante de nós raramente explora.

Tome Francisco de Assis, que, de todos os santos conhecidos, é provavelmente o favorito da maioria das pessoas. Ele revelou-se uma figura atraente por causa de seu amor e compaixão por toda a criação de Deus e a alegria contagiante de sua vida da vida como dom de Deus. Mas, lendo as histórias com mais cuidado, muitos também recuam dos extremos ele foi. Ele fez-se doente, subjugando seu corpo para punir conflitos. Sua rejeição do materialismo chegou ao ponto de se recusar os próprios bens materiais. Ele e seus companheiros, ele insistiu, deveriam viver um dia de cada vez sem sequer o dinheiro para o alimento do dia seguinte.

Isso seria completamente impossível para a maioria de nós, pensamos naturalmente. E seria. Mas podemos aprender a partir da extremidade completa do modo particular de Francisco de viver o Evangelho. Ele demonstrou, irrefutavelmente, que é possível ser uma pessoa extremamente alegre e humanamente plena sem nenhuma das coisas que supomos serem essenciais para o bem-estar humano: sem posses, sem relações sexuais, sem conforto, sem saúde, sem status, sem segurança. Nós não somos todos feitos para viver como São Francisco, mas todos nós devemos ter as nossas prioridades desafiadas por seu exemplo.

Naturalmente, há também pessoas santas que parecem muito mais normais. Elas vivem o mesmo tipo de vida que você e eu, mas a vive tão perto de Deus que reluzem através delas. Sou grato pela graça de Deus na vida dessas pessoas, mas eu também sou grato pelos radicais de Deus. Levar Deus a sério nos ajuda a ver a intensidade a que algumas pessoas vão por Deus.

3 de julho de 2010

A Pedagogia em Jesus nos Evangelhos

As falas de Jesus nos evangelhos revelam um Mestre com riquíssimo recurso didático; além de se valer de elementos do cotidiano, da natureza, do cenário político, do imaginário popular, temos nos evangelhos empregos de um farto material de comunicação oral; diversos empregos de jogos de palavras, figuras de linguagem, estratégias retóricas sofisticadas, recursos poéticos, ironias.

Como um exemplo pitoresco de jogo de palavras, temos a parábola sobre os servos e os talentos [talento = 10.000 denários, não no sentido de “habilidades inatas herdadas”, empregado muitas vezes],em Mateus 25.14-30. O termo empregado para “negligente” ao último servo, refere-se literalmente à preguiça, e rima com o termo empregado para o senhor como homem “severo”, acrescentando sarcasmo à resposta.

Robert H. Stein, um erudito estudioso do Novo Testamento, elenca diversos recursos retóricos nos evangelhos:

Paralelismo sinonímico (repetição de idéias semelhantes com emprego de palavras diferentes) : Mateus 7.7,8;
Pedi e será dado; procurai, e encontrareis; batei, e se abrirá para vós. De fato, todo o que pede recebe, quem procura encontra, a quem bate se abrirá”.
Marcos 7.18;
Então vós também sois sem inteligência? Não sabeis que nada do que penetra do exterior no homem pode torná-lo impuro, já que não penetra em seu coração, mas no seu ventre, e depois vai para a fossa?

- Paralelismo antitético (emprego paralelo de imagens contrastantes) : Mt.6,22-23;
A lâmpada do corpo é o olho. Se pois o teu olho está são, teu corpo inteiro estará na luz. Mas se o teu olho está doente, teu corpo inteiro estará nas trevas. Se pois a luz que há em ti é trevas, que trevas!
 7.17-18
Assim a árvore boa produz bons frutos, mas a árvore doente produz maus frutos. Uma árvore boa na pode dar maus frutos, nem uma árvore doente dar bons frutos.”

Paralelismo sintético ( Uma segunda parte de um discurso que complementa a primeira, retomando-a e desenvolvendo a mesma idéia): Mt.5.17
Não penseis que vim suprimir as leis ou os profetas; não vim suprimir, mas cumprir”.
 Mc 9.37
Quem acolhe em meu nome uma criança como esta, acolhe a mim mesmo; e quem me acolhe, não é a mim que acolhe, mas Àquele que me enviou”.

Paralelismo quiasmático (reforça  a idéia invertendo a ordem): Mt.23.12
“(...)todo aquele que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha será exaltado”.
Mc 8.35
Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho vai salvá-la”.

Hipérboles (linguagem figurada em que o peso da idéia é expressado através de um exagero na imagem) Mt.5.29,30
Se teu olho direito te leva à queda, arranca-o e atira-o longe de ti; pois é preferível para ti que um só membro teu pereça a que seja lançado na Geena teu corpo inteiro. E se tua mão direita te leva à queda, corta-a e lança-a longe de ti: pois é preferível para ti que um só membro teu pereça a que vá parar na Geena teu corpo inteiro”.
 7.3-5
Por que tens de olhar o cisco que está no olho do teu irmão, e a trave que está no teu olho não a reparas? Ou com dizer a teu irmão: ‘Espera! Vou tirar o cisco do teu olho’? É no teu olho que a trave está! Homem de juízo pervertido, tira primeiro a trave do teu olho, e então enxergarás direito para tirar o cisco do olho do teu irmão”.

Trocadilhos Mt 16.18, 23.24
E eu te digo: Tu és Pedro – Kepha - , e sobre esta pedra – kepha – edificarei minha igreja [ provavelmente Jesus deve ter dito o termo aramaico correspondente para “assembléia”, ou “comunidade”, e o evangelista ao fazer a versão para o grego adaptou para “igreja” - ecklesia, termo empregado tempos após a ressurreição e comissão de Jesus].

Símiles (uma comparação, em que há o emprego de temos para permitir que duas idéias permaneçam distintas, apesar de suas semelhanças).
 Lc. 13.34
“Jerusalém, Jerusalém, tu que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes eu quis reunir os teus filhos como uma galinha reúne os seus pintinhos sob as asas, e vós não quisestes”.
17.6
Se tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a este sicômoro: ‘Arranca-te daí e planta-te no mar’ e ele vos obedeceria”.

Metáforas Mt 5.13
Vós sois o sal da terra. Se o sal perde seu sabor, como tornará a ser sal? Não serve para mais nada; é jogado fora e é calcado aos pés pelos homens”.
Mc 8.15
Cuidado! Guardai-vos do fermento dos fariseus e de Herodes!

Linguagem proverbial :
Mt 26.52
Embainha sua espada, pois todos que tomam a espada morrerão pela espada”.
 Mc .6.4
Um profeta só é desprezado em sua pátria, entre seus parentes e sua casa”.

Enigmas Mt 11.11
Em verdade [ amém, amém] eu vos digo, dentre os que nasceram de mulher, não surgiu ninguém maior que João, o Batista; e todavia, o menor no Reino dos céus é maior do que ele”.
Mc 14.58
"Eu destruirei este santuário feito por mãos de homem e, em três dias, construirei outro, que não será feito por mãos de homem”.

Paradoxos Mt 23.27-28  Mc 12.41-44
Ai de vós escribas e fariseus hipócritas, que sois semelhantes a sepulcros caiados: por fora têm bela aparência, mas por dentro estão cheios de ossadas de mortos e impurezas de toda a espécie. O mesmo se dá convosco: por fora ofereceis aos homens a aparência de justos, enquanto por dentro estais repletos de hipocrisia e iniqüidade”.

A fortiori (uma retórica empregada que, para se defender uma idéia que o interlocutor põe em controvérsia, usa-se uma que ele aceita como verdade e na qual a outra vem implícita ao se porem paralelamente) Mt 7.9-10
Ou então, quem dentre vós, se o seu filho lhe pede pão, lhe dará uma pedra? Ou se pede um peixe, lhe dará uma serpente?”
10.25
“Já que trataram de Beelzebul o dono da casa, com quanto maior razão dirão o mesmo dos de sua casa!

Ironia Mt. 16.2,3
Ao cair da tarde, vós dizeis: ‘Vai haver bom tempo, pois o céu está vermelho, afogueado’; e de manhã: ‘Hoje mau tempo, pois o céu está vermelho e sombrio’. De sorte que sabeis interpretar o aspecto do céu, mas os sinais dos tempos, não sois capazes!”
Lc 12.16-21
Mas Deus lhe disse: ‘Insensato, esta noite mesmo tua vida será reclamada e o que tu preparaste, quem é que o terá?’

Contraperguntas Mc 3.1-4
Que é permitido num dia de sábado, fazer o bem ou o mal? Salvar uma vida ou matá-la?
11.27-33
O batismo de João provinha do céu ou dos homens?

Jogo de palavras: a imprecação aos líderes religiosos em Mateus 23.24: “Guias cegos, que filtrais o mosquito e engolis o camelo!” Em aramaico, camelo = gamla; mosquito = galma.

Ações Figurativas – Mc.2.25-16; 3.14-19

Dizeres que lembram palavras antigas de sabedoria Mt 5.42 # Sirácida. 4.4-6:
Não repilas o suplicante em sua aflição nem desvies do pobre o teu rosto. Do indigente não desvies o olhar, nem lhe dês motivo para te maldizer. Se te maldisser na amargura de sua alma, seu criador escutará sua oração”.
Mt. 24.28 # Jó 39.30:
De sangue seus filhotes se saciam; onde há cadáver, ali está ela”.
Mt 11.19 – Mas a sabedoria é justificada por suas obras- Sirácida 24 e Provérbios 8.

Mc.4.25 II e Esdras 7.25: “E, portanto, Esdras, para o vazio são coisas vazias, e para o completo são as coisas completas.

Em diversos desses exemplos, se aplicam mais de uma figura de linguagem ou estratégia retórica.