15 de junho de 2009

Bíblia e O Sopro de Deus - parte II - Linguagem e Revelação



E como então alguém pode procurar perscrutar, examinar, absorver e proclamar a realidade da Palavra de Deus, usando a Bíblia? A "Palavra de Deus" pode ser real, direta e objetivamente apreendida, ensinada e proclamada?

Tentarei aqui pegar um gancho em uma discussão a respeito da natureza da ciência e suas bases. A maioria das pessoas tem assimilada uma visão, hoje tida como inocente, do caráter da exploração científica. Há um discurso-pronto que fala que a ciência retrata a realidade como ela é, diretamente, pura, pela sua lente sem embaçamento e distorção alguma, sem interferências. Apresenta a verdade nua e crua com fatos puros. Infelizmente, como agrônomo, tenho que reconhecer que tal discurso é mais difundido entre quem lida com ciências biológicas, sobretudo zoologia e botânica. Mas, no âmbito científico, nos últimos tempos, essa visão é contestada e caracterizada como “realismo ingênuo”. Principalmente dentre os que estudam fenômenos e objetos grandes demais e pequenos demais para serem observados diretamente pelo olho, ou com instrumentos simples.

Constatam eles que o próprio instrumental interfere na imagem que se nos apresenta, do que se observa e interpreta, então, não temos uma imagem “pura” das coisas. E os dados em si não nos dizem nada se não forem interpretados, e a preocupação recai sobre como é a melhor maneira de interpretar e falar sobre a interpretação, o que pode ser dito, não o que seria de fato. Sobretudo com a física quântica, a perspectiva que predominou é a chamada “instrumentalista”. As teorias seriam julgadas sobre quão proveitosas e frutíferas são para correlacionarem as observações com as previsões de comportamento dos fenômenos.

Nas palavras de um gigante da física, Niehls Borh, “Não existe ‘mundo quântico’. Existe apenas uma descrição física-quântica abstrata. É errado pensar que a tarefa da física seja descobrir como é a natureza. A física se preocupa com o quê podemos dizer sobre a natureza” - extraído de "Explorando a Realidade".

Uma contribuição recente neste debate servirá de forma esplendida para nos ajudar na compreensão do conhecimento da interface "Palavra de Deus"/Bíblia.

Uma perspectiva intermediária despontou na discussão científica, entre o “realismo ingênuo” e o “instrumentalismo”. Apregoa que as ferramentas científicas não podem mesmo expressar crua e perfeitamente a realidade tal como é em si, tampouco se restringem a construções intelectuais úteis e internamente consistentes. Dentro de limites, podem apresentar a realidade, mediada por “atos de imaginação criativa, nos quais analogias e modelos conceituais têm frequentemente um papel. Os modelos conceituais nos ajudam a imaginar o que não é diretamente observável, especialmente no domínio do muito grande e do muito pequeno”. - extraído de "Quando a ciência encontra a religião", Pg. 41-42 Essa perspectiva é chamada “Realismo Crítico”.

Um dos expoentes fora o cientista e filósofo Roy Bhaskar. É encampada por grandes teólogos-cientistas cristãos, como o cientista e teólogo Arthur Peacocke (biologia molecular), Ian Barbour (física nuclear), John Polkinghorne (física quântica), Owen Gingerich ( astrônomo e historiador da ciência); entretanto se expandira para bem além das fronteiras deste âmbito. Traduzido no Brasil podemos encontrar uma exposição sistemática acompanhada com estudos de caso no livro “Além da Ciência”, de John Polkinghorne, capítulo 2, editora Loyola. Os realistas críticos atentam que um conhecimento da realidade é auferido pelas ferramentas, mas em aspectos limitados e parciais, em interação com quem conhece.

Isso pode ser transposto para o entendimento da nossa questão. Expressa-se a Revelação Especial de Deus, um conhecimento revelado ao qual não chegaríamos especulando por nós mesmos a partir do nada. Seu sopro, mediado pelas expressões e vivências humanas, as ferramentas e a própria mente de quem lê, e os condicionamentos internos e externos de quem expressa.

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