12 de fevereiro de 2010

Representações de Deus - mais que meramentes

Pra falar sobre Deus...
 (...) quem se recusa a deixar Deus limitado ao transcedente tem dele uma idéia maior do quem o limita a isso; mas quem o limita ao imanente está pensando em outra coisa, e não n'Ele.
 Martin Buber, em “O Eclipse de Deus”.


Em ciências, precisamos de analogias e modelos conceituais para tratar de domínios do real que pela própria natureza não são manipuláveis, e mais ainda dos princípios que dão coerência. São visões limitadas e seletivas, cada uma em si. Mas podem ser sistematizadas. Não podemos ter uma linguagem diretamente unívoca sobre Deus. Tal pretensão é como um sacrilégio, ou no mínimo megalomania. Vejo as possibilidades como linguagem analógica, simbólica e a evocativa.

Alguns, querendo tomar um rumo que não sabem para onde, costumam fazer discursos sobre nos despirmos das imagens gerais da tradição cristã clássica; algumas vezes com critério, mas na maioria, sendo arbitrários e superficiais.

Por exemplo, é comum sempre ouvirmos deboches infantis sobre “o homem de barba branca sentado em um trono”; geralmente contrapondo com apelações que nos evocam a imagem de uma fumaça em forma de espiral num breu total.

Hoje, vemos muitas coisas abomináveis na política, e clamamos por um aperfeiçoamento das instituições democráticas, moralização, etc. Poucos são os que afirmam que a solução seria chutar o balde e implantar algo completamente diferente. Da mesma forma, por mais que vejamos que houveram monarcas tirânicos e opressores na história, na maioria das vezes o que o povo aspirava era a um rei bom. Essa imagem evocava para eles Poder, Sabedoria, Sacerdócio, Apoio, Cuidado, Justiça, Zelo, Proteção. Hoje, está por demais distanciada de nossa cultura, apesar de que temos alguns vislumbres quando as pessoas curtem as imagens de obras como O Senhor dos Anéis, as sagas do Rei Arthur, etc., até mesmo ao repetirem os nomes e termos antigos, que ressoam poderosos...

Carecemos hoje de sondar e aprender mais a respeito de imagens antigas, até mesmo para termos critério e ponderação na hora de fazermos transposições; insisto que deve-se guardar todas, em termos mais gerais, e não abrir mão de nenhuma, pois é uma que garante que uma ou outra não enlouqueça; é todas as imagens cristãs clássicas de Deus juntas, e não em separado, que permite que uma em particular não vire um ídolo. Abrindo-se mão ou mesmo esquecendo, a que fica no lugar cairá deixando para trás cacos.

Na figura de Deus como o Rei, Altíssimo, aceito a realidade de que estou falando é de Deus, que é um Vós, e tenho que ter reverência, temor sim, não posso “precipitar-me no falar” nem no “fazer votos” e não falar seu nome em vão. Mas o mesmo Deus da nuvem de fogo é o que não estava na ventania, mas na brisa (I Reis 19.11); e é por isso que o “aparecer” na brisa torna-se algo tão especial; para um ser Deus, Deus é os dois; o mesmo Deus do Santos dos Santos, onde morre quem comparece indignamente, é o Deus que habita de tenda em tenda. O Criador pela Sua Palavra é o Espírito que atua dinamicamente; o Deus de Justiça é também Àquele cuja misericórdia é representada como as contrações do ventre da mulher – rhmjm . Para Deus ser o Deus cujo perdão extrapola o entendimento, é o mesmo Deus que odeia o pecado; para Deus ser Pai, e ser Deus, e não um pai, Deus é também mãe (Is. 49.15; 66.9-13). O Pastor do Rebanho, para ser Deus, e não um pastor divinizado, é a galinha que deseja guardar os pintinhos sob suas asas; para Deus ser Imanente, e ser Deus, tem que ser Transcendente. E vice-versa, vice-versa. Quando uma imagem é abafada ou perdida, a outra vira um semi-deus, um mito, um ídolo ou um demônio. Ou acaba.

O Senhor da História Universal é o que capacita um indivíduo a tomar decisões por conta própria. O Deus que julgará indivíduos, povos e nações, para ser Deus, deve poder ser o Deus Crucificado. Não apenas cada paralelo em particular. Tem que ser todos. É todos. Ou então é o general sanguinário, ou semi-deus confuso e apreensivo, ou criança chorona, ou o titereiro cósmico, o dínamo mecânico, o fluxo semi-consciente, o grandão fraco, a madrasta chantagista emocional, o padrasto incompreensivo...se centra-se só em algum, querendo “se despir” do resto, acaba-se sem nenhum. É todos, para ser mais que todos, porque É mais, não menos, que todos.

Aquele Deus que se envolve no tempo, não pode estar sob domínio do tempo. É Deus porque é Eterno, Supra-temporal, não precisa estar fora, mas ultrapassar o tempo e espaço. Aquele que ama, se enfurece, sofre, compadece, é, em si mesmo, auto-suficiente, mas deliberou interagir. É Deus. O “Eu Sou o que Sou”.

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