31 de agosto de 2009

O Magnificat – Exaltação




O Cântico de Maria, mãe de Jesus, no livro do Evangelho segundo São Lucas, após a saudação de sua prima Elisabeth.




A minh'alma engrandece o Senhor
e meu espírito exulta em Deus, meu Salvador
porque olhou para a humildade de sua serva.
Sim, doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada
pois o Todo Poderoso fez grandes coisas por mim. O seu nome é santo
e sua misericórdia se estende de geração em geração para aqueles que o temem...
Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso.
Depôs os poderosos de seus tronos e elevou os humildes.
Cumulou de bens os famintos e despediu ricos de mãos vazias.
Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia
conforme prometera a nossos pais em favor de Abraão e de sua descendência para sempre.


Ao descobrir que Deus opera nela tão grandes maravilhas, sem levar em conta a sua pequenez, a sua pobreza, a obscuridade de sua ascendência e descaso dos que a cercam, Maria aprende do Espírito Santo que Deus gosta de exaltar os pequenos e rebaixar os poderosos, de abater os pretensiosos e de soerguer os infelizes, alquebrados pela provação. Então, os que nada eram são valorizados; os que eram infortunados conhecem enfim a felicidade; os que estavam mortos revivem.(...) Ao contrário de Deus, o mundo dos homens só olha para aquilo que está acima de si mesmo. Ninguém quer olhar para mais baixo de si, e nem quer saber do que aí se passa: pobreza, miséria, ignomínia, angústias, lamentos. Todos viram a cabeça para não ver nada.



Martinho Lutero – Comentário ao Magnificat, em “O Louvor de Maria”.






Murilo Mendes
Magnificat

Meu espírito anseia pela vinda da Esposa,
Meu espírito anseia pela glória da Igreja,
Meu espírito anseia pelas núpcias eternas
Com a musa preparada por mil gerações.
Eu hei de me precipitar em Deus como um rio,
Porque não me contenho nos limites do mundo.
Dai-me pão em excesso e eu ficarei triste,
Dai-me luxo, palácios, ficarei mais triste.
Para que resolver o problema da máquina
Se minha alma sobrevoa a própria poesia?
Só quero repousar na imensidade de Deus!

27 de agosto de 2009

Declaração da Rede Miquéias sobre Mordomia da Criação e Mudanças Climáticas

Confiram aqui a Declaração, proferida e apresentada no Quênia, em 17/07/09, comentada pelo teólogo René Padilla, presidente da Fundação Kayrós.

DECLARAÇÃO SOBRE MORDOMIA DA CRIAÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

26 de agosto de 2009

Acontece em BH

I FESTA AFROLITERÁRIA NANDYALA Livraria

“Literaturas Africanas e Afrobrasileira na sala de aula: refletindo sobre a Lei 10.639/2003” (Seminário Internacional)

Encontro de professores, arte-educadores e gestores da educação com escritores africanos e afrobrasileiros para reflexão e debate acerca das literaturas de matrizes africanas no âmbito da Lei 10.639/2003.

DATA: 29 de agosto de 2009, sábado
HORÁRIO: 8h às 17h
REALIZAÇÃO: NANDYALA Livraria & Editora e ESAF – Escola de Administração Fazendária (Ministério da Fazenda)
OBJETIVO: Promover a atualização de educadores em relação ao universo das relações étnico-raciais, por meio da percepção e evidenciação do papel das literaturas africanas e afrobrasileira na promoção da cidadania e construção de uma sociedade mais inclusiva, em diálogo com as determinações da Lei 10.639/2003.
PÚBLICO-ALVO: Professores, arte-educadores e gestores da educação, graduandos, pesquisadores, ativistas sociais e demais interessados.
LOCAL: Auditório Colégio Estadual Central - Av. do Contorno, 6990 - Lourdes - Belo Horizonte – MG (Esquina com Fernandes Tourinho, 1020 - em frente ao Hotel Mercure)

INSCRIÇÕES GRATUITAS (22 a 28/08/2009): eventos@nandyalalivros.com.br
NANDYALA Livraria & Editora (Av. do Contorno, 6.000 – Loja 01 – Savassi - BH – MG)

INFORMAÇÕES: (31)3281-5894 ou eventos@nandyalalivros.com.br

PROGRAMAÇÃO:

7h30 – Credenciamento

8h30 – Abertura
A importância do livro afro na educação de crianças e jovens
- Macaé Evaristo (PBH/Secretaria Municipal de Educação)
A Educação Fiscal em diálogo com as relações etnicorraciais e de gênero
- Anna Carla Duarte Chrispin (Ministério da Fazenda/ESAF-MG)
Coordenação: Rosa Margarida de Carvalho Rocha (NANDYALA Editora)

9h – Depoimentos
Gênero, raça e literatura: o fazer literário de raízes e matrizes africanas
- Convidadas: Odete Costa Semedo (Guiné-Bissau), Conceição Evaristo e Jussara Santos
Coordenação: Rosália Diogo (PBH/Fundação Municipal de Cultura)

10h30 – Chá de Caxinde e Sessão de Autógrafos

(Odete Costa Semedo - Rosa Margarida de Carvalho Rocha – Jussara Santos - Madu Costa – Benjamin Abras)

11h – Depoimentos
Literatura Afro: conceitos, ilustração e estética afro
- Convidados: Madu Costa – Benjamin Abras - Marcial Ávila – Nega Iza
Coordenação: Jacyara Edwirges Rosa de Araújo (Centro de Tradições Mineiras/CTM)

12h30 – Intervalo para almoço

14h – Depoimentos
A produção de Literatura Afro para o público infantil e juvenil
- Convidados: Sonia Rosa – Prisca Agustoni – Madu Galdino – Consuelo Dores
Coordenação: Aracy Alves Martins (UFMG/FaE)

15h30 – Depoimentos
Literaturas Africanas e Afrobrasileira: conceitos, tendências e abordagens pedagógicas
- Convidados: Ondjaki (Angola), Edimilson de Almeida Pereira e Rubem Filho
Coordenação: Iris Maria da Costa Amâncio (NANDYALA Editora)

17h – Coquetel/ Lançamentos de livros e Sessão de Autógrafos

(Ondjaki - Edimilson de Almeida Pereira - Sonia Rosa – Prisca Agustoni – Madu Galdino – Consuelo Dores – Rubem Filho)

Serão fornecidos certificados Nandyala/ESAF aos participantes.

REALIZAÇÃO: NANDYALA Livraria & Editora e ESAF – Escola de Administração Fazendária (Ministério da Fazenda)
APOIO:
ESAF/Ministério da Fazenda
Colégio Estadual Central (Escola Estadual Milton Campos)
PBH/Secretaria Municipal de Educação
Centro de Tradições Mineiras
NEGA IZA Cabelos
Edições Paulinas
Editora Língua Geral
Editora e Distribuidora LÊ/Compor
SINPRO – Minas

23 de agosto de 2009

O Caminho Cristão: o Amor Universal de Deus

(...) era para que eles procurassem a Deus; talvez o pudessem descobrir às apalpadelas, a Ele que, na realidade, não está longe de cada um de nós. Pois nEle é que nós temos a vida, o movimento e o ser(...)
Apóstolo Paulo, no discurso no Aerópago em Atenas. Atos 17.27-28.

“A realidade ilimitada, e que não podemos circunscrever, da divindade, permanece além de toda apreensão. [...] Assim, o grande Davi, dispondo das ascensões em seu coração, e avançando, ‘com vagar sempre crescente’ (SL 83.6-8) clamava no entanto a Deus: ‘Tu, o Altíssimo, tu estás na eternidade’ (Sl. 91.9).”
(Gregório de Nissa. 8ª Homilia sobre o Cântico dos Cânticos. PG. 44,940)

A Palavra de Deus se manifesta além dos signos lingüísticos, além de todos os instrumentos da linguagem humana, conquanto que para um cristão, sua manifestação central e mais explícita seja através da obra redentora factual de Jesus Cristo. Ele pode estar negado ou afirmado, com discursos de linguagem externamente cristã, e negado ou afirmado em discursos de linguagem externamente não cristã. O profeta Isaías uma vez proferiu esta impactante admoestação :

O Senhor diz: este povo só se aproxima de mim com palavras, só os seus lábios me rendem glória, mas o seu coração está longe de mim”. Isaías 29.13

A questão está na essência dos discursos, no "implícito". Muita gente pode estar orquestrando um discurso externamente cristão, mas no fundo estar negando Cristo. E vice-versa. Da mesma forma que se pode engendrar discursos de amor para afirmar o ódio, de verdade para fazer dissimulação, de liberdade para pregar dependência/opressão, pode-se fazer discursos evocando Jesus, negando-O. Os discursos seriam racionalizações ou artifícios retórico-semânticos, alguém manipulando os significados das palavras. Também, pode-se afirmar o amor falando de outro assunto, assim com a verdade, com a liberdade, e de Cristo falando de outras coisas que não Ele. A pergunta é: o que está subjacente ao discurso 'X'? Assim, a questão é se o norte do discurso, ante a multiplicidade e a passagem de elementos que se configura nele, o fio que o transpassa, e que permanece, aponta para o norte da essência de Jesus, ou é contraditório com ela?

Jesus falou acerca do Dia do Juízo:

Então o rei lhes responderá: ‘Em verdade, em verdade eu vos declaro, todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes'."
Mateus 25.40.


A vida parece suficientemente clara enquanto é rotina, ou seja, enquanto as pessoas permanecem dóceis, lêem os textos de maneira convencional e não são provocadas de maneira radical. A clareza se dissolve e aparecem idéias, percepções e sentimentos estranhos, apenas a rotina se despedaça.
Paul Feyerabend, em “Diálogos sobre o Conhecimento”.


Cada vez que projetamos muito de nós, consciente ou inconscientemente, e transformamos isso em deus, forjamos ídolos. Quantas vezes não vimos isso em igrejas? Quantas vezes não ouvimos gente cantando, orando, conversando, e eu próprio incluído, projetando suas angústias, medos, ódios até, em forma de deus? O mais notório disso é quando vemos cânticos referentes a guerras de Israel, ou de Davi, etc., em que o povo imagina Deus lutando contra quem os está chateando. Ou a gente invocando Deus para intimidar pessoas de acordo com nossos desejos. Ou justificando nossas indissiocrasias, manias... São discursos sobre Deus, ou invocando Deus, etc., em que, apesar de usar signos e significantes cristãos, Deus está ausente.

Para termos contato relacional com Deus mesmo, somente com um encontro, e este encontro parte dEle mesmo. Não chegamos a Ele por via nenhuma a partir de nós, somente pela Graça. E recebemos a Graça somente em postura de abandono, de entrega e apelo.

De acordo com o caráter do relacionamento de cada situação particular é que se caracteriza como Deus está se relacionando ali. Então, da mesma forma que nos exemplos acima, o grande "Eu Sou" não está presente num discurso de signo cristão, ele pode estar presente num discurso sem nenhum signo cristão explícito.

Na tradição cristã, isso pode ser expresso no mistério referido “Dieux Absconditus” – Deus em sua natureza inacessível- e por outro lado, também no da “ubiquidade” – presença sem fronteiras - de Cristo, do "logos spermatikos" – palavra geradora- que dissemina sua verdade ainda que velada ao mundo, e no Espírito Santo - O Vento que sopra aonde quer! Não que seja através da Sua presença “imanente-ontológica”, ou seja, presente na essência de tudo quanto existe na natureza, mas através de Sua vontade afirmativa que está de acordo com o que Lhe é inerente à Sua Essência, Justiça, Bondade, Misericórdia, Graça, Integridade.

A mensagem da evangelização cristã tem como ponto central que os pecados estão pagos, e o projeto de Deus para uma Nova Criação e seu Reinado de Justiça e Amor fora inaugurado na obra de Jesus, confirmado pela sua ressurreição, e se consumará; o Altíssimo chama a um caminho, que é onde pode se experimentar o Espírito já aqui, onde se mostra o contraste do que nos aguarda com o que temos de enfrentar aqui, e a força moral pra direcionar a Fé. O valor ulterior da evangelização está no amor que provém de Deus. O amor que está na Sua essência por toda a eternidade. E o anúncio da consumação de tudo em amor, com o chamado para os valores do Reinado de Deus que foi prometido por meio de Jesus Cristo. Que um dia, haverá a separação total entre a esfera absoluta da Graça, e uma esfera à parte da Graça.

Eu nada sei senão o que todos sabem – que, quando baila a Graça, eu devo dançar.
W.H.Auden. Pentecostes em Kirchestetten

“Quanto a nós, conhecemos, por termos acreditado nele, o amor que Deus manifesta entre nós. Deus é amor: quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele”.
I João 4.16

Houvera um sábio, na Igreja medieval, chamado Pedro Abelardo. Muito, muito, muito mal compreendido e interpretado. Ele unia uma imponente capacidade intelectual, com simplicidade e piedade avassaladora. Um gigante da Fé.

Abelardo ensinava que a obra da Salvação provinha do Amor de Deus, uma forma de que pelo Amor Eterno os humanos pudessem ser salvos, e assim partilhassem mesmo deste seu Amor. Cristo não foi mártir ou peça qualquer de um jogo cósmico, mas se doou pelo amor, não que nós suscitássemo-lo, mas porque Ele é Amor. Ocasionalmente lemos que Abelardo pregara que a entrega de Jesus na cruz seria era só um exemplo pra suscitar o amor em nós, mas isso é apenas parte de seu ensinamento; senão ele não iria se referir explicitamente a termos como “Justificação”, “Reconciliação pelo Sangue”... Mais além, Abelardo versava que Cristo é o exemplo de Amor ao qual o Eterno pode nos unir ao Amor Eterno dEle, e daí despertá-lo em nossos corações, vencendo todas as forças do desamor.

Agora nos parece que temos sido justificados pelo sangue de Cristo e reconciliados com Deus deste modo: através deste ato único de graça manifestada a nós – visto que seu Filho tomou para si mesmo nossa natureza e perseverou nesse particular em nos ensinar por palavras e exemplo mesmo até a morte – ele tem mais plenamente nos ligado a ele mesmo por amor.
Exposição de Romanos
(3.19-26). Apêndice

A implicação que apreende-se existencialmente disso é que não se é Cristão porque imagina-se que o Cristianismo dá todas as respostas, ou é um sistema fechado destinado a uma explicação exaustiva do mundo. Mas porque é, como era chamado no início, o Caminho - Atos 16.17; 18.25-26; 19.9,23. Dá-nos respostas enquanto possam ser o pavimento da estrada pela qual caminhamos em direção ao Significado. Como o Apóstolo Pedro exclamou: “Senhor, para quem iremos? Tu tens palavras da vida eterna. Quanto a nós, cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. João 6:66-69.

Para refletir:
Ao manter a beleza, preparamos o dia do renascimento em que a civilização colocará no centro de sua reflexão, longe dos princípios formais e dos valores degradados da história, essa virtude viva que fundamenta a dignidade comum do mundo e do homem, e que agora devemos definir diante de um mundo que a insulta”.
Albert Camus, em “O Homem Revoltado”, Pg.317

17 de agosto de 2009

Pecado - condição


Somos muito mais inconscientes de nós mesmos do que poderíamos ou gostaríamos de imaginar. Por isso Freud se referia ao nosso 'Eu' como um palhaço tolo que se intromete em tudo no circo para que os espectadores pensem que é ele quem dirige tudo o que ocorre.

Paulo Sternick, psicanalista, articulista do "Diário de Teresópolis"

A "noção de pecado" na fé cristã é herdada do judaísmo; neste, o termo empregado era 'hatta'a', com o sentido básico de "errar um alvo ou um caminho", e também o termo 'awon', com o sentido de "transgressão". O pecado é tanto assim uma ruptura no relacionamento com Deus, como algo que impede esse relacionamento devido ao fato de que desfigura a imagem e semelhança de Deus no homem.

No Koiné, o grego neotestamentário, empregavam-se 'hamartia', da onde vem a disciplina teológica "hamartiologia". O sentido é similar ao do hebraico; era empregado para quando atletas ou soldados falhavam em seu desempenho, fracassavam. Combina também com outro termo empregado, parabasis, que é "ultrapassar o limite permitido, transgressão". Há também o termo ‘hubris’, que é soberba, auto-elevação, indicando no contexto a disposição e intenção de assumir e ocupar a posição que é só de Deus, a grande megalomania.

Com Santo Agostinho, veio a doutrina do "pecado original" propriamente dita, em que ele postulava que a humanidade estava sob juízo, compartilhando a culpa do primeiro pecado que afastou o homem do caminho de Deus. Contudo, antes dele, se via já na patrística, entre os “Pais da Igreja”, o conceito de "queda", diferente por não postular que todos estavam "incriminados" na culpa pelo pecado dos primórdios da humanidade, mas sob o efeito dele, que fez a condição humana decair diante do propósito de Deus para ela, se desviar de seu propósito e potencial. Toda a humanidade se encontra numa condição existencial de propensão para o pecado, em todas as dimensões do seu ser, vontade, passionalidade, intelecto, intuição, pois o “eu” que integra todas elas está corrompido.

A diferença nesse caso é que num ponto de vista, o ser humano já se encontra numa condição sob juízo desde o nascimento; compartilha a responsabilidade desde os primeiros pecados. No outro, o compartilhamento está somente na condição de estar desviado de sua potencialidade; só se encontra sob responsabilidade por cada pecado que comete, não pelo pecado em geral; contudo, essa condição o torna propenso a "errar o alvo", ele não estaria mais de acordo com aquilo que deveria e poderia ser.

Agostinho, na sua formulação, tinha em mente a preocupação com certos grupos com os quais estava polemizando, os pelagianos e os donatistas. E a história mostra que os pensadores, quando em epicentros de controvérsias acirradas, ao mesmo tempo em que são mais criativos, costumam também recrudescer muito nos seus pontos. Inclusive, antes do volume X de sua monumental obra “Cidade de Deus” , até cerca de 430 d.C., ele professara a visão comum da patrística.
De fato, o pecado é tanto um mal voluntário que não é pecado de forma alguma, a menos que seja voluntário” (“Sobre a religião verdadeira”, in: A select library of the Nicene and post-Nicene fathers of the church. Org., Philip Shaff. Grand Rapids, 1956, vl2, p. 14)

Quem quer que seja que tenha feito qualquer coisa má por meio de alguém inconscientemente ou incapaz de resistir, este último não pode por meio de algum ser condenado justamente”(“Duas almas, Contra os Maniqueus” 10.12.in: A select library of the Nicene and post-Nicene fathers of the church. Org., Philip Shaff. Grand Rapids, 1956, vl2,).
Logo, ou a vontade é a causa primeira do pecado, e nenhum pecado será causa primeira do pecado” (O Livre-Arbítrio, 3.49, trad., org., introd. Notas: Nair de Assis Oliveira, ver. Honório Dalbosco. São Paulo, Paulus, 1995).

Com o tempo, o conceito de “pecado original” ganhou abrangência abarcando, em muitas referências, a primeira concepção apresentada de "queda".

Na Liturgia Anglicana, reza-se uma confissão de pecados constante no Livro de Oração Comum, numa prece que contempla praticamente tudo o que apresentamos até aqui:
Deus Onipotente, nosso Pai celestial, reconheço e confesso meus muitos pecados, que tenho cometido por pensamentos, palavras, ações e omissões, contra ti, contra o meu próximo e contra mim mesmo. Concede-me verdadeiro arrependimento e, por amor do teu Filho Jesus Cristo, perdoa-me todo o passado e dá-me a graça de te servir com alegria, para honra e glória do teu santo Nome. Amém.


Podemos então entender quando o cristianismo nos informa que “o salário do pecado é a morte” (Rm. 6.23). No hebraico, o termo “morte” - mawet - significava primeiramente “separação”, a separação entre nós enquanto seres orgânicos do nosso elemento transcedente, espiritual - refraim. Nos alienamos assim primeiramente de Deus e da realidade espiritual, nos alienando de nós mesmos, cingindo nosso “eu”, nossa integralidade, e nos alienamos de nosso próximo e da criação. Esse é o “poder da morte” - azmavate - que sujeita a pessoa através do pecado.



Eu, que quero fazer o bem, constato portanto esta lei: é o mal que está ao meu alcance. Pois eu me comprazo na lei de Deus, enquanto homem interior, mas em meus membros descubro outra lei que combate contra a lei que a minha inteligência ratifica; ela faz de mim o prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Infeliz que eu sou! Quem me livrará deste corpo que pertence à morte?
Apóstolo Paulo, na epístola aos Romanos, cap. 7.21-24.
A Bíblia – Tradução Ecumênica (TEB).

12 de agosto de 2009

Querido Senhor e Pai da Humanidade

Deixamos um momento de inspiração e descanso para a alma com este aconchegante, clássico, formoso e tocante hino, Dear Lord and Father of Mankind, cuja história está contada no link ao lado.

Aqui entoado na Abadia de Westminster, Anglicana, na Inglaterra.

Desfrutem!


Possível tradução (livre):


Querido Senhor, e Pai da humanidade,
Perdoe as nossas tolas maneiras!
Revista-nos em nossa mente legítima,
Nas mais pura vida encontrar Teu serviço,
Na mais profunda reverência, louvor.

Em simples confiança como os que ouvem
Ao lado do mar da Síria,
O gracioso chamado do Senhor,
Deixa-nos, como eles, sem uma palavra,
Levantar e segui-Lo.

O Sábado repousa pela Galiléia!
A calma das colinas acima,
Onde Jesus ajoelhou-se para compartilhar conTigo
O silêncio da eternidade,
Interpretado pelo amor!

Com essa profunda quietude acalmando todas
Nossas palavras e obras que se afogam
O frágil sussurro de Teu apelo,
Sem ruído Tua bênção recai
Tal qual Teu maná caira.

Teu orvalho ainda pinga de tranqüilidade,
Até toda a nossa batalha cessar;
Tome de nossas almas a tensão e stress,
E deixa as nossas vidas ordenadas confessarem
A beleza da Tua paz.

Respira através da quentura de nosso desejo
Tua refrescância e teu bálsamo;
Deixe o bom senso ser estúpido, deixe a carne aposentar-se;
Fale através do terremoto, vento e fogo,
A ainda pequena voz de calma!

9 de agosto de 2009

Acontece em BH


http://www.unipazmg.org.br/jean-yves.html

7 de agosto de 2009

Acontece em BH


Dias 13 e 14, quinta e sexta-feira, no Palácio das Artes em Belo Horizonte, haverá o espetáculo cênico-musical CEFARCONCERTO 2009.

Conectados pelo tema "A minha alma foi passear" vários alunos e ex-alunos do Centro de Formação Artística do Palácio das Artes (CEFAR) apresentarão números de dança, teatro, música erudita e popular. Minha grande amiga Luciana Tollentino estará lá, nos brindando com um dos duetos mais tocantes já escritos na ópera barroca: CLÁUDIO MONTEVERDI / PUR TI MIRO.

Os espetáculos terão início às 21 horas, no Grande Teatro do Palácio das Artes. O ingresso custa apenas 6 reais - com meia entrada para os estudantes.

Mais informações: http://www.fcs.mg.gov.br/agenda/1191,cefarconcerto-2009.aspx


2 de agosto de 2009

A Mensagem das Origens - Quem somos nós

O relato das “Origens” no livro de Gênesis, na Bíblia, contempla os capítulos de 1 a 11. Contudo, não é apenas um texto, mas uma justaposição de mais de um texto editado em épocas diferentes. Possuem paralelos significativos com diversos textos importantes de povos do contexto histórico-geográfico, como o Épico de Atrahasis, Enuma Elish, a Epopéia de Gilgamesh, a Lista dos Reis Sumérios, e o Gênesis de Eridu. Como podem ver, não são poucos. Textos que têm a criação seguida por uma catástrofe e um novo começo. Entretanto, também se apresentam significativas diferenças em termos estilísticos, ênfases, visão de mundo, esperança, teologia, moral.

O que isso significa? Por um lado, que não podem ser meras cópias diretas. Por outro, que as tradições do livro de Gênesis, são bem antigas e remetem-se a tempos remotos. Podemos dizer que partilham das convenções narrativas vigentes e de um substrato cultural comum com outros mitos do Oriente Próximo ( diversos povos espalhados no mundo possuem mitos correlatos, e muitos mesmo crêem até num tipo de "queda" dos ancestrais ante seus deuses, p.ex. entre os Karen, na antiga Birmânia, hoje Mianmar, ante o Deus Supremo Y'wa, e que esperavam por um messias; mesmo entre os Tupis, no Brasil, e seu relato do Grande Dilúvio, bem como na Ilha de Páscoa, entre os Astecas, Maias, Mapuches, até na China, com notórias similaridades). Sendo assim, os textos não “caíram de pára-quedas” para os hebreus, mas estão enraizados na história.

Neste prisma, podemos ver com certeza que não podem ser tomados como se fossem narrativas literais descrevendo cientificamente a história da criação e registros históricos frios em formas de crônicas. Mas, a rigor, não se pode de maneira alguma dizer que são alegorias. Grandes estudiosos da crítica da forma, bem rigorosos, já mostram que não, são narrativas, feitas sim, por compilações, mas são narrativas - embora esteja errado quem diz que não há alegoria na Bíblia, os profetas usavam largamente a alegoria. São histórias de tempos remotos, contadas de forma que o significado é transformado em significante, ou seja, os meios e conteúdos da mensagem tomam forma dos elementos da narração.

Do período da nossa história escrita propriamente dita, nós só temos acesso a uma ínfima parte. Muito foi perdido, e quanto mais longínquo no tempo, mesmo com a arqueologia, menos temos; temos migalhas. E muito do patrimônio desse conhecimento tradicional dos povos tem, aceleradamente, sido perdido também. Mais ainda se formos pensar quanto a toda a história humana! O ser humano passou a maior parte de sua vida aqui no mundo sem a escrita! Ah sim, perdemos muito, muito... Geralmente se tenta reconstituir com o "método da analogia", retroprojetando no passado o que se processa numa escala de tempo mais próxima, em condições parecidas. Mas isso é limitado, pequenas variações iniciais nos fenômenos mudam todo o decurso deles. Alguns acontecimentos podem alterar todo o decurso da história, e no desenvolvimento de um processo podem ocorrer eventos que, se pudéssemos regredir no tempo, não encontraríamos a situação decorrente de uma regressão puramente linear; são irreversíveis.

Então, muita coisa se perdeu. Mas pode (acredito que deve) ter acontecido eventos que mudaram completamente o curso da evolução humana, que estão perdidos e inacessíveis a nós. Muita coisa ficou marcada nos signos humanos, canções, contos, mitos, expressões e modos de expressão, figuras de linguagem, etc. Muita coisa foi repassada dos pais aos filhos desde a infância às rodas de fogueira, danças, conversas ao rio, ao “fogão”, às atividades artesanais, etc. E muito ficou introjetado no inconsciente, se constituindo num material psicológico herdado.

Cada povo têm esses mitos de fundação consignados com sua auto-identidade. Os hebreus trabalharam em cima desse substrato partilhado ali para isso, entender a relação das origens com sua condição e caminhada. Os antropólogos estudam comunidades tradicionais e suas ligações com a terra, e vêem como os povos costumam legitimar sua ligação com “seu chão” guardando tradições sobre o primeiro antepassado a chegar no lugar; um desbravador, um viajante cansado que ali resolveu “apear”, um escravo fugido, ou que conquistara a liberdade ou a comprara; não somente indivíduos, mas mesmo grupos humanos. No relato bíblico, os hebreus remeteram à ligação do ser humano com a própria Terra, apontando que ele não é um ser originalmente concebido para ser alienado de um sentido de “pátria”, alguém deslocado, mas para ser alguém com raízes. O nome do “primeiro homem”, Adão - Adâm, está ligado a Adamah, ou seja, tirado do solo; a mulher, Eva - Ishshá, "humana”, que remete ao húmus, indicando aí a terra fértil. Mas esse elemento nas narrativas das comunidades tradicionais vai mais além também: essa origem de seu ancestral é marca primária de suas identidades, relacionada com a ocupação de seu chão; isso nos proporciona uma leitura impactante de Gênesis: nossa origem fundamental é em Deus, e nossa identidade funda-se em sermos originados de um propósito especial do Criador.


Compartilhamos com tudo o mais nossa origem como “pó”: tudo à nossa volta provém intimamente da poeira cósmica. O relato ainda expõe uma imagem do ser humano sendo incumbido de um grande privilégio sobre a criação, ao mesmo tempo em que uma grande responsabilidade. Temos responsabilidade sim sobre o que fazemos com a criação, e enquanto Gênesis expõe que não somos apenas um ser a mais dentre todos os outros, temos de forma especial em nós o “sopro” divino, somos criados à imagem e semelhança de Deus, também. E esse mandato não para abuso e arbitrariedade, mas cuidado, cuidado e convivência.

Também aprendemos dali do texto a sabedoria de que somos antes de tudo indivíduos, não apenas um naco de uma massa de multidão, ou outras abstrações coletivas. Mas não indivíduos completos e perfeitamente autônomos: somos seres relacionais, nossa natureza é de necessitar de semelhantes para nos complementarmos; mais que indivíduos, somos pessoas. Podemos “passear a sós”, ou seja, necessitamos de momentos para nós mesmos, sozinhos, mas não vivemos para isso e apenas nisso somos tão somente metade de um. Um mais um é mais do que dois; um mais um é um. A sabedoria do relato também não mostra a mulher sendo criada dos pés do homem, mas da costela, ou seja, os dois estão lado a lado, a relação básica é de alteridade.

Também vemos em Gênesis o que decorre da alienação ante a Deus, à fonte de nosso Ser: a morte. A partir de quando ouvimos as forças que tentam ocupar o lugar do Altíssimo (por quais interesses a "serpente" agira?), querendo nós mesmos ocuparmos o lugar dEle, tudo o que quer usurpar o que compete somente à Deus, nossa existência não é mais uma aventura rumo ao Grande Encontro com a Fonte, permeada por um relacionamento autêntico, ainda que longe de ser o pleno, com Ele; mas um fardo, em que passamos a busca-lO tateando, e não mais naturalmente ouvimos o Seu chamado; ficamos como entre quatro paredes num quarto escuro, sem saída; a morte passa a ser um encontro rumo à maldição. Não podemos encarar um ao outro como somos, mas sentimos vergonha, estamos alienados um do outro também, estamos alienados de nós mesmos. Nossa relação com a Criação passa a ser orientada pela luta, confronto.


Advém a inveja, incompreensão, fratricídio. Nossos empreendimentos se dão para preencher a lacuna do Absoluto, o vazio de Deus em nós, e procuramos chegar aos Céus por nós mesmos, compensar nossa alienação com megalomanias; o que era para ser um empreendimento criativo de realização de nossas potencialidades, passa a ser sede de poder.


O ensino destes relatos de Gênesis, é parte essencial da visão do cristianismo, por uma ligação coerente com as respostas gerais da fé cristã a quem nós somos, o que há de errado, quais as perspectivas de para onde vamos, o sentido de viver, o drama que envolve o cosmos e a história.

Destarte entendemos que somos uma criação de Deus, compartilhando a natureza material comum a toda a Criação, mas dotados de atributos e responsabilidades especiais pelo Criador, envolvidos num drama histórico-cósmico. Entendemos que estamos numa situação na história que não derivou apenas da evolução natural das coisas. Que não somos o que poderíamos, ou mais, deveríamos ser, poderíamos estar numa condição muito melhor. Que estamos numa condição alienada de nosso potencial, e a Quem o devemos; alienados de Deus. E isso gera uma angústia diante da realidade da morte e a perda da segurança de continuar a vida nAquele que a doou.

Mas Deus não nos deixou abandonados a nós mesmos. Pois assim a Desesperança seria a realidade definitiva, teria a palavra sempre atual e final. Aniquilar-nos-íamos e pronto. Parte daí a busca do ser humano por parte de Deus, a despeito do próprio ser humano. O arco-íris brilha ante a chuva.