30 de maio de 2010

O Envio do Paráclito: Meditação para o Domingo da Trindade

Em João 16.5-15, no quadro que focaliza Jesus comissionando sua comunidade a continuar sua obra após sua futura partida e diz que estará capacitada pelo Espírito Consolador, o Mestre interpela seus discípulos acerca da questão: não se intrigam naquele momento, acerca de para onde Ele vai, afinal? Pedro já o havia perguntado – Jo. 13:36. Tomé colocara a perplexidade acerca de seguir Jesus, se não se sabia para onde Ele estava falando que iria – Jo.14:5.

Jesus está sensível pela tristeza dos discípulos. Estariam se apartando deles? Mas e todas as expectativas? Tudo o que se construiu junto quanto ao que estavam fazendo? Todo o relacionamento íntimo construído... tudo se ficaria perdido, e só se faria parte da memória? Nessa parte Jesus produz um discurso que retoma temas e ênfases continuamente. Jesus rogará ao Pai pelo envio do Consolador – Jo. 14:16 – e nisso, seria Ele mesmo quem enviaria-O – 16:7 – após Sua partida; na verdade, Sua partida faz parte do grande drama, do processo no qual o Espírito seria enviado para estar com os discípulos em sua missão. Antes, em 15:26 se menciona o trabalho conjunto do Pai, Filho e o Espírito da Verdade, neste grande plano que o testemunho de Jesus faz parte.

O Espírito virá, e constrangerá, deslegitimará a ordem pervertida no mundo calcado no pecado, tornando explícita a perversão e alienação no que ela é tomada como fazendo parte da ordem. Exporá os crimes, a injustiça, mostrando que são corrupções do bem. Apontará a culpa em relação a Deus. E o meio pelo qual essa exposição, apontamento e constrangimento ocorrerá se dará através da negação em crer em Jesus, através da rejeição do que Ele representa, de Seu testemunho. Concomitante, se fará patente o juízo que paira.

Há muitas coisas ainda que os discípulos de Jesus terão que aprender ao longo deste processo do Grande Plano de Deus. Até a partida de Jesus eles ainda não terão assimilado tudo. Naquele momento, eles ainda não davam conta. Mas não estarão sozinhos diante desta responsabilidade, pois aí também é papel do Espírito nesta etapa do processo. Os Espírito que concede a Palavra de Deus a Jesus –Jo.3:34. A palavra empregada para “guiar” remete a usos na piedade judaica quanto a Deus buscando e enlevando o fiel ao entendimento. Veja em:

Salmo 16:11 – Tu me fazes conhecer o caminho da vida; diante de tua face, plenitude de alegria, à tua destra, delícias eternas.
Salmo 25:4-5 – Faze-me saber os teus caminhos, SENHOR; ensina-me as tuas veredas. Guia-me na tua verdade, e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação; por ti estou esperando todo o dia.
Salmo 27:11 – Mostra-me Senhor, o Teu caminho e conduz-me por uma boa senda, apesar daqueles que me espreitam.
Salmo 119:35 – Senhor, indica-me o caminho dos teus decretos, e minha recompensa consistirá em observá-los.
Salmo 143:10- Ensina-me a fazer a tua vontade, pois és o meu Deus. O teu Espírito é bom; guie-me por terra plana.
O Espírito da Consolação então ficará para ensinar, mostrar, conduzir os seguidores de Jesus no Caminho, Verdade, e a Vida.

Salmo 29:4 - A voz poderosa do Senhor; a voz retumbante do Senhor.


Veja também

Festa da Santíssima Trindade: parte I

28 de maio de 2010

A Medida de Amar

Em Mateus 18:23-30 Jesus conta uma parábola tradicionalmente referida como “A Parábola do Servo Impiedoso”. Ela aparece num contexto maior, em que o evangelista elenca ensinamentos de Jesus a respeito do caráter da nova comunidade que estava fundando, referenciada no caráter em um plano maior, do Reinado de Deus cujo processo de plenificação estava inaugurando.

Ele antes então faz severas advertências a respeito das tentações que fazem as pessoas humildes a seu serviço caírem – Mt. 18:6-9, dizendo que é do decurso da história humana acontecê-lo, mas ao mesmo tempo enfatiza a responsabilidade pessoal e frisa de forma avassaladora o peso para os responsáveis pelas quedas. Conta sobre a ovelha pedida – Mt. 18:10-14 – falando do drama dos discípulos desviados e de como Deus não desiste deles, pelo contrário, até mesmo se angustia à busca deles. Fala sobre sua representação na Igreja quando buscam lidar com pessoas em erro dentro dela, quando o parâmetro é a compaixão, o respeito pela privacidade e dignidade da pessoa, a busca de reconciliação, até o limite da falta de escrúpulos e arrependimento de quem está errado Mt. 18:21-22, e não na disposição em perdoar. A Parábola do Servo Impiedoso é o ápice, pois como o Reinado é de Deus, o caráter de Seu reinar é o parâmetro a respeito de todas essas questões.

Nas parábolas de Jesus, frequentemente ele ilustra a relação dos reis com seus servos, e costuma apresentar choques dos princípios do Reinado de Deus com os reinos dos homens, fazendo analogia entre Deus e o rei, nos contos. Podemos ver isso na parábola dos “Trabalhadores na Vinha – Mt.20:1-16”; “O Retorno do Rei – Lc.19:11-27”. Em “a Parábola do Servo Impiedoso”, um servo contraiu uma dívida astrondosa, impagável. O número individual para o qual o Koiné – o dialeto grego de uso mais comum – possuía um um termo maior, era dez mil. Jesus assim usa o número para se referir a uma mensuração ao limite. Craig S. Keener, um dos maiores estudiosos acadêmicos do Novo Testamento na atualidade, aponta que  dez mil talentos correspondia a cerca de 275 mil anos de trabalho em diárias, em média para os trabalhadores comuns. Isto representa a dívida da humanidade para com Deus. A imagem da dívida era muito forte para a população da época, vide que era corriqueiro pessoas verem suas vidas completamente comprometidas por dívidas para conseguirem cultivar ou tocar seus negócios, e era muito comum se tomar as terras ou encarcerarem os trabalhadores. A palavra dívida provocava temores intensos. Na parábola se mostra que tal dívida do servo só poderia ser lidada com a venda do próprio, e sua família. Isto é altamente sugestivo em relação à condição humana para com Deus. Nessa nossa condição, não temos como auferirmos economicamente o efeito de nossos pecados ante a condição divina de ser Quem É como É. Não tem cálculo.

Mas o rei perdoou. Se pusesse o rigor da contabilidade, não precisaria nem argüir ao servo que não haveria paciência o suficiente para que ele pudesse arcar com sua pesada dívida.

Mas, ao se deparar, por sua vez, com outro servo representando no mesmo parâmetro, cem dias de trabalho, este mediu; este usou da meticulosidade contábil. Pague. É justo, pague. Está devendo, pague. Tenho e mereço receber: pague. Não escutou o mesmo apelo que ele fizera ao rei. Pague. Tenho sua garganta em mãos: pague. Nossos pecados uns ante os outros. Nossas dívidas em comum. Talentos. Denários. Cem dias. 275 mil anos....

Não julgueis, para que não sejais julgados, porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.
Evangelho Segundo a Tradição de São Mateus 7:1-2

23 de maio de 2010

Festa de Pentecostes: O Envio do Espírito Santo

Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da Terra (Salmo 104:30)

Evangelho Segundo São João, 14.26

O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que eu vos disse.

Atos 11.16: "João deu o batismo de água, mas vós recebereis o batismo no Espírito Santo."

Atos 20.35: “Há mais felicidade em dar do que em receber”.

Romanos 14.14: “ nada em si é impuro; algo é impuro para quem o considera como tal”.

I Coríntios 7.10: “que a mulher não se separe do seu marido – e o marido não repudie sua mulher”.

9.14: “(..) aos que anunciam o Evangelho que vivam do Evangelho”.

23.24-25: “(...)Isto é o meu corpo, dado em prol de vós, fazei isto em memória de mim. (…) Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; fazei isto todas as vezes que dele beberdes, em memória de mim.”

Do Livro de Oração Comum da Igreja Anglicana:

Ó Deus, que no dia de Pentecostes, ensinaste os fiéis, derramando em seus corações a luz do teu Santo Espírito; concede-nos, por meio do mesmo Espírito, um juízo acertado em todas as coisas, e perene regozijo em seu fortalecimento; pelos méritos de Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.


De São Simeão, o Novo Teólogo (949 -1002 d.C.), para o Espírito Santo:

" Vejo a beleza de tua graça, contemplo seu fulgor e o reflexo de sua luz; me arrebata seu esplendor indescritível; sou empurrado fora de mim enquanto penso em mim mesmo; vejo como era e o que sou agora. Ó prodígio! Estou atento, cheio de respeito para mim mesmo, de reverência e de temor, como se estivesse diante de ti; não sei o que fazer porque a timidez me domina; não sei onde sentar-me, aonde aproximar-me, onde reclinar estes membros que são teus; em que obras ocupar estas surpreendentes maravilhas divinas " (Hinos II, 19-27; cf. Exortação apostólica pos-sinodal "Vita consecrata", n. 20).

Veja também:

16 de maio de 2010

O noivado do Todo-amoroso

Marcos 2.19; Mateus 9.15;Lucas 5.34.
Podem os convidados às núpcias jejuar enquanto está com eles o esposo? Enquanto o esposo estiver com eles, não podem jejuar.

Jesus emprega uma imagem para o caráter do tempo de sua presença entre seus seguidores que no primeiro momento pode chocar. Como ele poderia querer que fizesse algum sentido para seus interlocutores, e mesmo para sua comunidade de discípulas e discípulos?

Mas aí que está a questão. A imagem é de certa forma familiar ao seu contexto; mas de um gênero ainda mais chocante. O momento de estar junto com ele, para com seu povo, é um momento de celebração vivaz. Remete a uma festa, a festa de casamento. É o tom da música da comunhão.

E remete a imagens da Bíblia Hebraica para o caráter atribuído por Deus ao relacionamento com seu povo escolhido:

Oséias 2, quando Ele se indignava da infidelidade, traíção:
Processai vossa mãe, processai,
pois ela não é minha mulher
e eu não sou seu marido.
Que ela afaste de seu rosto os sinais da
sua prostituição,
e dentre seus seios as marcas do seu
adultério.
Quando da restauração dos laços de comunhão:
Acontecerá naquele dia -
diz o Senhor -
que tu me chamarás 'meu marido'
e já não me chamarás 'meu baál, meu dono'
(…)
Eu noivarei contigo para sempre,
eu noivarei contigo
pela justiça e pelo direito, pelo amor
e pela ternura.
Eu noivarei contigo pela fidelidade
e tu conhecerás o Senhor.

Isaías 54.5
Pois aquele que te fez
é seu esposo:]
O Senhor de todo o poder é seu nome;
o Santo de Israel, é Ele que te resgata,
Ele se chama o Deus de toda Terra.

61.10:
Eu sou entusiasta, sim, estou entusiasmada
por causa do Senhor,
minha alma exulta por causa do meu Deus,
pois Ele me vestiu do traje da salvação,
Ele me envolveu no manto da justiça,
qual o noivo que, como um sacerdote,
cinge o diadema,
qual noiva prometida que se enfeita com seus adornos.

62.5:
Com efeito, assim como o jovem desposa
a sua noiva/ teus filhos te desposarão,
e com o entusiasmo do noivo pela sua
prometida,
o teu Deus estará entusiasmado por ti.
Jeremias 2.32:
Por acaso uma dama esquece seus adornos?
E uma noiva, seu vestido?
Mas o meu povo se esqueceu
desde dias sem conta.
Recomendo também a leitura de Ezequiel capítulo 16, onde essa relação de desposamento está trabalhada de forma o mais visceral, incluindo o amor, traição, sofrimento, cuidado, busca.

A partir dessa autocompreensão de Jesus, podemos entender melhor o contexto da passagem sobre o Jejum, que se soma a outras em que Jesus aponta que o que antes remetia a Lei Mosaica, agora vai adiante, remetendo ao seu ensino; podemos entender sua reivindicação de autoridade sobre as tradições do seu povo, argumentando que apontava para si e tinha nele o seu cumprimento.

Podemos refletir também e nos inspirar, juntamente com o povo da igreja cristã nascente, vislumbrando como seria o encontro final, o banquete e as festas quando haverá o Grande Encontro, e a restauração de todas as coisas por Deus, mediante Jesus Cristo: A festa de núpcias!!!!

Apocalipse, 19,7-9.

Alegremo-nos, exultemos e demos glória
a Ele, porque chegaram as núpcias do Cordeiro.
Sua esposa se preparou:
foi-lhe dado vestir-se de um linho
resplandecente e puro,
porque o linho são as obras justas dos
santos.
Um anjo me disse: Escreve!
Felizes os convidados ao banquete das
núpcias do Cordeiro!
Depois, disse-me: Estas são palavras do
próprio Deus.