26 de setembro de 2009

Porque Jesus foi Crucificado?

Por Larry Hurtado

Tradução livre:

Uma afirmação central nos Credos Cristãos Tradicionais é que Jesus foi crucificado “sob Pôncio Pilatos". Mas a maioria dos cristãos tem somente um sentido vago do que a frase representa, e a maioria dos não-cristãos, provavelmente, não conseguem imaginar porque é uma parte tão integral da fé cristã. "Crucificado sob Pôncio Pilatos" proporciona à história de Jesus sua mais óbvia ligação com a ampla história humana. Pilatos era uma figura histórica, o procurador romano da Judéia; ele foi referido em outras fontes da época e ainda mencionado em uma inscrição encontrada no local da antiga Cesaréia em Israel. A ligação da morte de Jesus com Pilatos representa a insistência de que Jesus era uma pessoa real, não apenas uma figura de mito ou lenda. Mais do que isso, a frase também comunica de forma concisa algumas especificidades muito importantes deste evento histórico.

Por um lado, a declaração afirma que Jesus não se morreu simplesmente; ele foi morto. Esta foi a morte de um jovem na dor e humilhação pública, não um fim pacífico para uma vida longa. Também, essa não foi uma ação de uma turbe. É dito que Jesus fora Jesus executado, não linchado, e pela autoridade governamental romana devidamente nomeada da Judéia. Houve uma audiência de algum tipo, e os oficiais responsáveis pela ordem civil e pela paz e justiça romana condenaram Jesus. Isto significa que Pilatos encontrara algo muito grave que justificasse a pena de morte.

Mas este foi também um tipo especial de pena de morte. Os romanos tinham uma variedade de meios para realizar uma execução judicial, alguns, tais como a decapitação, eram mais rápidos e menos dolorosos do que a crucificação. Morte por crucificação era reservada para crimes e classes particulares. Aqueles com adequada cidadania romana deveriam ser imunes à crucificação, embora pudessem ser executados por outros meios. A crucificação era considerada em geral como não só assustadoramente dolorosa, mas também a mais vergonhosa das mortes. Essencialmente, foi reservada para aqueles que eram percebidos como levantando suas mãos contra o domínio romano, ou aqueles que de alguma outra forma pareciam desafiar a ordem social - por exemplo, os escravos que atacavam seus senhores, insurretos, como os judeus crucificados pelo general romano Vespasiano, na rebelião judaica de 66-72.

Assim, o crime mais provável pelo qual Jesus foi crucificado é refletido nos relatos dos Evangelhos na acusação colocada à cruz de Jesus: "Rei dos Judeus". Ou seja, ou o próprio Jesus afirmou ser o Messias Real Judaico, ou seus seguidores manifestaram esta reivindicação. Isso lhe obteria a crucificação pelos romanos.

Com efeito, um critério que deve ser aplicado mais rigorosamente nas modernas propostas acadêmicas sobre o "Jesus histórico" é o que poderíamos chamar de a condição de “crucificabilidade": Você deve produzir uma imagem de Jesus que dê conta dele ser crucificado. Estimulando as pessoas a serem como “um” umas para as outras, ou advogando uma interpretação mais flexível da lei judaica, ou mesmo condenando o Templo e os seus dirigentes, nenhum desses crimes é provável que levasse à crucificação. Por exemplo, o historiador judaico do primeiro século, Flávio Josefo, fala de um homem que profetizou contra o Templo. Ao invés de condená-lo, o governador decidiu que ele era inofensivo, embora um tanto desequilibrado e irritante aos sacerdotes do Templo. Então, depois de ser flagelado, ele foi liberado.

A alegação de messias-real, portanto, ajudar a explicar por que Jesus foi executado, mas seus seguidores não. Estes não eram uma célula de conspiradores. O próprio Jesus era o problema. Além disso, Pilatos recebera alguma oposição séria por ser um pouco violento demais na sua resposta aos judeus e samaritanos que simplesmente se demonstrassem vigorosamente contra suas políticas. Pilatos provavelmente decidira que publicamente executando Jesus o entusiasmo messiânico de seus seguidores iria expirar sem afligir os órgãos judaicos mais do que o necessário.

Naturalmente, os Evangelhos igualmente implicam autoridades religiosas judaicas - especificamente, os líderes sacerdotais, que administravam o Templo de Jerusalém sob concessão do governo romano. Muitos estudiosos, incluindo E. P. Sanders em “Jesus e o Judaísmo”, concluíram que os líderes do templo estiveram provavelmente envolvidos em Jesus chamando a atenção de Pilatos. Afinal, o sumo sacerdote e seus séquitos mantinham seus discursos através da demonstração de lealdade contínua a Roma. Se eles julgaram que Jesus representava uma ameaça para o domínio romano, eles eram obrigados a denunciá-lo. Portanto, não é tão difícil conceder uma certa probabilidade para a afirmativa dos Evangelhos de que as autoridades do Templo eram, pelo menos em parte, motivadas por um ressentimento da crítica de Jesus da sua administração do Templo, como pode ser refletido nos relatos de Jesus capotando as mesas dos cambistas que operavam nas instalações sob licença do sumo sacerdote. Mas os líderes judeus não crucificaram Jesus. "Crucificado sob Pôncio Pilatos" aponta para onde esta responsabilidade cabe, com a administração romana.

É bastante claro o que São Paulo quis dizer ao afirmar que "a pregação da cruz é loucura" para a maioria das pessoas de sua época. Como Martin Hengel mostrou em “Crucificação no Mundo Antigo e a Insensatez da Mensagem da Cruz”, os escritores romanos da época consideravam a crucificação o pior destino imaginável, uma punição de vergonha inominável. Celso, um crítico romano do cristianismo, ridicularizou os cristãos por tratar como divino alguém que tinha sido crucificado. Um grafite anti-cristão do segundo século de Roma, bem conhecido entre os historiadores que estudam o período, mostra um homem crucificado grosseiramente elaborado, com uma cabeça de burro, em que está uma figura humana, e sob este um escárnio rabiscado: "Alexamenos adora o seu Deus" [Alexamenos sebetai ton theon].

Havia, em suma, pouco a ganhar na proclamação de um Salvador crucificado nesse cenário em que a crucificação era uma realidade terrível. Alguns cristãos tentaram evitar a referência à crucificação de Jesus, enquanto outros preferiram um ou outro cenário alternativo. Em uma versão, em um texto cristão apócrifo, os soldados confundiram um observador com Jesus, crucificando-o em vez disso, enquanto Jesus é retratado como rindo de sua insensatez. Esta idéia é também provavelmente refletida mais tarde na tradição muçulmana em que uma pessoa da multidão foi erroneamente crucificada enquanto Jesus escapou. Muitos muçulmanos devotos acreditam que Jesus fora um profeta verdadeiro, então é simplesmente inconcebível que Deus tivesse permitido que ele morresse uma morte vergonhosa. É evidente que, pelo menos alguns dos primeiros cristãos se sentiram da mesma maneira.

De fato, a crucificação de Jesus representava um amálgama de problemas potenciais para os primeiros cristãos. Isso significava que, na origem e no coração de sua fé havia uma execução de estado e que seu reverenciado salvador tinha sido julgado e considerado culpado por um representante da autoridade imperial romana. Isso provavelmente fez um com que uma boa quantia de pessoas se questionarem se os cristãos não eram algum movimento seriamente subversivo. Foi, pelo menos, não o tipo de grupo a que prontamente recorreriam aqueles que zelassem por sua posição social.

A crucificação de Jesus representou uma colisão entre Jesus e a autoridade governamental romana, uma óbvia de responsabilidade para os esforços cristãos para promover sua fé. No entanto, curiosamente, de alguma forma eles conseguiram. Séculos de tradição cristã subseqüente têm feito a imagem do Jesus crucificado tão familiar que a ofensividade do evento que retrata foi quase completamente perdida.

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