Nos solidarizamos com as vítimas do ato vil e nefasto realizado no Largo do Arouche, em São Paulo, em que a explosão de uma bomba de fabricação caseira feriu 21 pessoas. Podia ter sido pior. Expressamos nosso repúdio e o desejo de que o /ou a responsável, ou responsáveis, sejam levados à justiça; também de que o Espírito de Deus lhes constranja o coração ao arrependimento.
Em um evento público, aberto, de tal vulto, ainda por cima envolvendo adrenalina e álcool, frequentemente ocorrem incidentes de brigas, assaltos, etc. Contudo, fica claro que esse episódio foi movido por uma beligerância homofóbica fanática.
Isso nos move a uma reflexão em relação à postura da Igreja Cristã e dos cristãos em particular.
Existem posições que invocam a autoridade bíblica e/ou a tradição para expressarem que a prática erótica homossexual é incompatível com a vivência e expressão da fé cristã segundo aquelas. Apregoam a opção do celibato ou que a pessoa passe a ser heterosexual. É ainda a majoritária na maioria das posições oficiais das diferentes igrejas.
Existem outras posições que dizem que a leitura bíblica referente à homossexualidade é mal-interpretada, admitindo que no Antigo Testamento as referências mentalizavam identificações com a identidade de práticas e crenças idólatras, assim como na passagem de Paulo em Romanos, e que os termos gregos arsenokoites e malakoi, referidos em textos de Coríntios, Timóteo, etc., não se traduziriam diretamente à homoafetividade. Lembram também que a tradição nunca é ou foi algo extático e completo, mas algo que se desdobra sobre si mesma e que possui núcleos essenciais e questões acidentais relidas à luz daqueles. Algo expressado pelo filósofo Alasdair MacIntyre, uma tradição genuína não seja marcada por rigidez, mas será distinguida por sua própria capacidade de responder aos legítimos desafios; ao encontrar tais desafios, a tradição pode expandir-se ou modificar-se em meios previamente neutros.
Essa perspectiva condena sim a banalização da vida afetiva, a não-horizontalidade e mutualidade das relações, e a visão instrumental do corpo e alma da outra pessoa, independente de se dar numa relação hetero ou homoafetiva, não uma delas em si.
Não versaremos aqui sobre um balanço dentre estas duas perspectivas, dada a busca do blog “Cristianismo, meramente” em ser mais abrangente entre as diversas fileiras das igrejas que professam a fé ortodoxa. Contudo, a fé cristã, independente de qualquer igreja em particular, é direcionada pela defesa da dignidade da vida humana, da justiça e do direito, da empatia e alteridade. Sendo assim, é desautorizada toda e qualquer expressão homofóbica, desrespeitadora da integridade moral e física de qualquer ser humano, advinda de meios, ambientes ou pessoas cristãs, de qualquer outra religião, indiferente ou que se diz ateísta. E proclamamos peremptoriamente a igualdade de direitos civis de homossexuais e heterossexuais.
Lamentamos como pessoas misturam as coisas neste âmbito. Frequentemente vemos polêmicas nos espaços legislativos envolvendo os direitos dos homossexuais. Políticos que muitas vezes nem estão aí para a fé, a não ser instrumentalizá-la em discursos demagogos, jogam com ela eleitoralmente. Outros, religiosos, fazem vistas grossas ao esbanjamento do dinheiro público, direitos humanos sobretudos sociais, ou crimes cometidos explorando a fé alheia, como extorsões. Pessoas engajam-se contra qualquer questão envolvendo as liberdades civis dos gays achando (ou dizendo achar) que vai se obrigar as igrejas da primeira perspectiva descrita a admitir homossexuais não-celibatários em suas instâncias.
Um engodo. O cristão, ciente das perseguições e martírios sofridos ainda hoje em diversas partes do mundo, devem prezar como ninguém a liberdade civil dos indivíduos. E é esse o âmago da questão.
Está tramitando no Senado o Projeto de Lei de Câmara nº122/2006 . No relatório da matéria, vemos escrito que "Objetivamente, sem fazer opção pelo comportamento homossexual ou sua apologia, o PLC nº 122, de 2006, propõe meios legais para desestimular e coibir penalmente situações em que a opinião privada de alguns gera prejuízos aos direitos de outros.
Assim, todas as condutas definidas criminalmente no projeto referenciam comportamentos que arbitrariamente recusam, a indivíduos LGBT, direitos que são conferidos a outros indivíduos em igualdade de condições.
Por outro lado, o projeto não criminaliza a crença pessoal desfavorável à homossexualidade, mas ações que conduzam à imposição dessa crença a outros indivíduos, de modo a suprimir a liberdade de uns pelo arbítrio de outros.
Desse modo, em consonância com a Constituição Federal, as normas propostas buscam proteger a vida, não apenas em seu sentido biológico, mas nas relações sociais indispensáveis ao seu desenvolvimento.
Quanto ao mérito específico da proposta, cabe ressaltar que todas as condutas descritas no PLC nº 122, de 2006, se referem a comportamentos dolosos, que têm a intenção explícita de vitimar o outro, motivados por preconceito contra indivíduos ou grupos.
Assim, por exemplo, no que se refere à criminalização da despedida motivada por preconceito, a norma busca coibir penalmente casos em que o empregador se valha de seu preconceito para eliminar o direito ao trabalho de determinados indivíduos, sem, contudo, privilegiar qualquer categoria de indivíduos com a estabilidade incondicional no emprego".
Desta forma não procedem as alegações de que o Projeto atenta contra a Constituição ao ferir o principio da livre manifestação do pensamento. Tanto que se fosse assim, seria simples apresentar propostas de modificações, supressões ou adendos que prevenissem ataques ao princípio da livre-manifestação (desde que se considere que a livre manifestação não suprime a responsabilidade por esta e não permita que fira direitos civis de outrém, a dignidade, os direitos e liberdades básicas da Constituição).
Dentre as propostas de emendas apresentadas, o Senador Wilson Matos apresenta:
“Dê-se ao art. 7º do PLC nº 122, de 2006, a seguinte redação:
Art. 8º-A Proibir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade, permitida a qualquer cidadão, de homossexual, bissexual ou transgênero em locais públicos. Pena: reclusão de um a dois anos.”
"Ademais, a restrição imposta aos locais privados não nos parece adequada, uma vez que, segundo a Constituição Federal, é livre a manifestação de pensamento (art. 5º, IV), inviolável a liberdade de consciência (art. 5º, VI), do mesmo modo que são invioláveis a intimidade, a honra, a imagem e a vida privada das pessoas (art. 5º, X). Assim, optamos por excluir a expressão “em locais privados”."
O que se deve considerar é que o que seria atentado ao pudor ou relacionados, aplicados a heterossexuais, sejam aplicados a toda a população de diferentes orientações e identidades sexuais.
Ou seja, não há pretexto para a rejeição da PL em si. O referido Senador requer ainda a supressão do termo “orientação sexual” por achar que não foi bem discutido. Provavelmente acredita que se alguém não é heterossexual, isso não é uma orientação. Não sei o que seria. Contudo, o dado objetivo é que não se pode dizer que os homossexuais, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais já encontram suficiente proteção na legislação do país.
O Inciso IV do art. 3º da Constituição Federal fala sobre “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." E o Inciso XXX do art. 7º “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil." Os homossexuais têm o direito, dados os notórios casos em que são vítimas de violações desses preceitos enquanto homossexuais, de serem mencionados explicitamente. Não o são. Nossa Constituição não os menciona, faz menção explícita a “quanto a sexo, raça, cor e idade”. O inciso VII do artigo 5º estipula que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
Isso abre brecha para a impunidade quanto a discriminações e achincalhamentos a demonstrações públicas de afeto de homossexuais, mesmo em lugares públicos aonde heterossexuais o fazem livremente. E outras questões até mais sérias. A lei não cria uma "população especial". O agravante é para crimes com motivações homofóbicas.
Porque alguém com ressalvas quanto ao Projeto de Lei 122/2006 não apóia então emendas constitucionais aos artigos 3º e 7º?
A não ser que pratiquem o Duplipensar.
Deixamos a pérola “We Shall Overcome”, na versão da cantora Joan Baez.
Vamos superar,
vamos superar,
Vamos superar algum dia
Oh, do fundo do meu coração,
eu creio
Iremos superar algum dia
Vamos caminhar de mãos dadas,
Vamos caminhar de mãos dadas,
Nós vamos caminhar lado a lado, algum dia.
Oh, do fundo do meu coração
Vamos viver em paz,
vamos viver em paz,
Vamos viver em paz algum dia
Oh, do fundo do meu coração,
Vamos todos ser livres,
vamos todos ser livres,
Vamos todos ser livres algum dia
Oh, do fundo do meu coração,
Não temos medo,
Não temos medo,
Não temos medo, HOJE
Vamos superar,
vamos superar,
Vamos superar algum dia
Oh, do fundo do meu coração,
eu creio
Iremos superar algum dia
Imagem: Reverendo Jesse Jackson.
Nota 10 para o seu blog.
ResponderExcluirAinda não consegui me tornar anglicano. Não há IEAB no Amazonas e no Acre, e em Santa Cruz (Bolívia) onde vivo a maior parte do ano a Igreja é tão conservadora que ainda não consegui me adaptar, embora goste dos irmãos.
Aquele abraço e sempre estarei visitando.
Inté!
Olá, Éverton!
ResponderExcluirObrigado por apreciar nosso trabalho e participar. Seja sempre bem vindo ao nosso blog, rsrs.
Vou te passar um link http://daa.ieab.org.br/comunidades-e-instituicoes/
com as comunidades da IEAB mais próximas de onde você está, embora sei que o "próximo" é bem relativo, mas quem sabe apareça uma oportunidade para visitar.
Abração!