31 de outubro de 2009

Dia da Reforma Protestante

31 de outubro se comemora o Dia da Reforma Protestante. Vem à tona incontáveis debates, lugares-comuns e reflexões sempre vívidas. Imagino que a blogosfera pipocará de artigos, então eu pensei em como não deixar a data passar batido e ao mesmo tempo não ser redundante.

O teólogo e filósofo da religião Paul Tillich marcou minha vida com seu livro “A Coragem de Ser”, que vira e mexe nas labutas da vida volta à mente em momentos que tenho que peitar a luta das incongruências que vêm nos abater, enfrentando de peito as pelejas da existência. Há algumas observações sui generis focando o drama de Lutero no prisma existencial e psicológico, à luz da filosofia de enfrentamento e postura afirmativa e corajosa a despeito de tudo o que nos ameaça destruir, que o livro encoraja.

Vivemos em nosso contexto a ressaca do complexo de Prometeu. Queimamo-nos com o fogo que pensávamos ter roubado dos deuses, mas na verdade encontramo-lo queimando num pau seco num canto. E nossos “Prometeus” não nos tinham contado qual o interesse em nos dar tal fogo, e qual o preço.

Uma palavra hoje muito falada: depressão. “A Organização Mundial da Saúde definiu o transtorno depressivo, como a quarta maior causa de impacto entre todas as doenças no mundo” - DEMETRIO, FN. O impacto da Depressão na Saúde. Revista Racine, nº 81, ano XIV, julho/agosto, p. 10-30, 2004.

É a principal causa de incapacidades e a segunda causa de perda de anos de vida saudáveis entre as 107 doenças e problemas de saúde mais relevantes. Uma em cada quatro pessoas em todo o mundo sofre, sofreu ou vai sofrer de depressão”.

A entidade aponta “que, nos próximos 20 anos, a depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo. Em 2030, ela será sozinha a maior causa de perdas entre todos os problemas de saúde”.

Isso, afora o sentimento de “náusea” que Jean Paul Sartre caracterizava bem, um estado nublinado em nossa alma, algo que não é depressão em sentido clínico, mas nos assombra. E o que as igrejas têm oferecido diante desse contexto? Qual mensagem e como ela tem lidado com tal situação? De forma sofrível, tenebrosa, pelo menos . Desonestas e oportunistas, muitas simplesmente adotam a tática de tirar proveito, salpicando tudo quanto é tipo de problema pessoal pelos quais todos estão sujeitos a passar para criar um ambiente de pesada carga emocional, e que os próprios pregadores – leigos e ordenados – passam, dizendo que aqueles que se submeterem à sua rotina e particularidades estarão livres deles. Que ninguém passará por eles se obedecerem-nas. Vendem auto-ajudas minguadas cheias de frases-feitas ocas, chantagens emocionais... E umas outras, esnobam a situação, como se fossem auto-suficientes e esclarecidas demais para se preocupar com questões existenciais e com esse problema da depressão. Relegam as alternativas à indústria farmacêutica e agem como se o cristianismo não tivesse nada a ver com isso. “Paz, paz” quando não há paz.

Desta forma eu retomo as reflexões de Tillich no livro sobre Lutero, que penso que podem iluminarmo-nos e proporcionarmos explêndidos subsídios para podermos refletir na postura enquanto cristão de encarar esse “mal-estar na civilização” de frente, com honestidade, sem escapismo, sem falta de coragem, sem delegar responsabilidades, sem promessas simplistas e hipócritas, mas com algo substancial. É isso. Lutero, com seus erros, acertos, dúvidas e ambigüidades, com sua humanidade pecaminosa tocada pelo Senhor da Graça ao qual se apegou a mais do que a si mesmo, tem uma história multidimensional que fala a nós hoje no século XXI. Por Paul Johannes Oskar Tillich, em “A Coragem de Ser:

A coragem da confiança de Lutero é confiança pessoal, derivada de um encontro de pessoa-para-pessoa com Deus. Nem papas, nem concílios podiam dar-lhe esta confiança.
P. 123.
Por isto é que a coragem da confiança, tal expressa em homens como Lutero, enfatiza sem cessar a confiança exclusiva em Deus, e rejeita qualquer outra base para sua coragem de ser, não só como insuficiente, mas porque o conduz a mais culpa e a ansiedade mais profunda.
Pg. 126
Segundo o cristianismo, estamos extraviados de nosso ser essencial. Não somos livres para realizar nosso ser essencial, estamos sujeitos a contradizê-lo. Portanto, a morte pode ser aceita só através de um estado de confiança no qual a morte cessou de ser a “recompensa do pecado”. Isto, contudo, é o estado de ser aceito a despeito de ser inaceitável. Aqui está o ponto em que o mundo antigo foi transformado pelo cristianismo, e no qual a coragem de Lutero de enfrentar a morte estava plantada. O ser aceito na comunhão com Deus é o fundo desta coragem, não uma duvidosa teoria da imortalidade. O encontro com Deus, em Lutero, não é meramente a base para a coragem de tomar sobre si pecado e condenação, é também a base para tomar sobre si destino e morte. Pois encontrar Deus significa encontrar segurança transcendente e eternidade transcendente. Aquele que participa de Deus participa da eternidade. Porém, a fim de participar dele, você deve ser aceito por ele, e deve ter aceito sua aceitação de você. Lutero experimentou o que ele descreve como ataques do mais profundo desespero (Anfectung), a horripilante ameaça da completa insignificação. Para ele estes momentos eram ataques satânicos nos quais tudo estava ameaçado: sua fé cristã, a confiança em seu trabalho, a Reforma, o perdão dos pecados. Tudo entrava em colapso nos momentos extremos deste desespero, nada era deixado da coragem de ser. Lutero, nestes momentos, e nas descrições que fornece deles, antecipou a descrição feita pelo existencialismo moderno. Mas para ele isto não era a última palavra. A última palavra era o primeiro mandamento, a declaração de que Deus é Deus. Recordava-lhe o elemento incondicional na experiência humana, do qual pode-se estar certo, mesmo no abismo da insignificação. E esta certeza o salvou.
p.128-129.
Encararmos os "nossos demônios" de frente, sermos valentes, com ombridade e responsabilidade para tal; sermos honestos e humildes suficientes para admitir nossas tormentas, nossa fraqueza e medo, pois fazem parte da natureza ambivalente do mundo, não se suprimem artificialmente; e depositar nossa força não em nós mesmos, não em alguma "lei imanente das coisas", num karma ou resposta-pronta, mas na Graça, e nAquele que é a fonte da graça, cujo poder se aperfeiçoa na fraqueza. Pois dentre a grande riqueza do tesouro da tradição cristã, a contribuição do princípio protestante é essa: nenhum humano e nenhum constructo humano pode se interpor entre a consciência de alguém e Deus, pois é de Deus quem parte a busca.

Deixamos de brinde alguns pratos apimentados de Lutero...

Algumas de suas 95 teses que profetizam hoje:

28 – É certo que, quando uma moeda soa, cresce a ganância e a avareza; mas a intercessão da Igreja está unicamente na vontade de Deus.
43- Deve-se ensinar aos cristãos que dar aos pobres ou emprestar aos necessitados é melhor obra que comprar perdões.
45 – Deve-se ensinar aos cristãos que um homem, que vê um irmão em necessidade e passa ao seu lado para dar o seu dinheiro na compra dos perdões, merece não a indulgência do papa, mas a indignação de Deus.
46 – Deve-se ensinar aos cristãos que – a não ser que haja grande abundância de bens- são obrigados a guardar o que é necessário para seus próprios lares e de modo algum gastar seus bens na compra de perdões.
62- O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus.
65 – Assim os tesouros do Evangelho são redes com que, desde a antiguidade, se pescam homens de bens.
66 – Os tesouros das indulgências são redes com que agora se pescam os bens dos homens.
92 - Portanto, se retirem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “paz, paz” e não há paz.
Igreja reformada...sempre reformando?

Do Cativeiro Babilônico da Igreja:
(...)A confissão privada – a única praticada – embora não possa ser provada pela Escritura, é muito recomendável, útil e até mesmo necessária. Não quereria que ela cessasse, antes me alegro de que ela existe na Igreja de Cristo, pois é o único remédio para a consciência perturbada...a única coisa que me aborrece é o uso da confissão para favorecer o despotismo e as exações dos pontifícies.

Catecismo Breve:
Artigo Segundo: Sobre a Redenção
“Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, nascido da virgem Maria, é meu Senhor que me resgatou a mim, homem perdido e condenado, me ganhou e me livrou de todos os pecados, da morte e do poder do demônio, não com outro e prata, mas com seu santo e precioso sangue e com sua inocente paixão e morte, de modo que eu lhe posso oferecer e viver em seu reino, submisso ao seu poder, servi-lo em eterna justiça, inocência e bênção, do mesmo modo como ele ressuscitou dos mortos e vive e reina por toda a eternidade. Esta é uma verdade digna de fé."

E aqui estamos nós...


Soli Deu Glori.


28 de outubro de 2009

Para ler a Epístola de São Tiago

Bela poupança entesourastes no fim dos tempos! Vede o salário dos operários que fizeram a colheita em vossos campos; retido por vós, ele grita, e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor de todo o poder.
Capítulo 5, versículos 3-4.

Deixaremos esta resenha de Mark Goodacre, da University of Birmingham, como um aperitivo para aqueles que querem iniciar um estudo na Epístola de São Tiago, se situando melhor no caráter do texto; a resenha é sobre:

Richard Bauckham, James: Wisdom of James, Disciple of Jesus the Sage. New Testament Readings. London and New York: Routledge 1999.

De comum acordo, a Série Routledge de Leituras do Novo Testamento molda-se a ser uma das melhores séries sobre o Novo Testamento nos últimos tempos. Com um vívido volume introdutório (pelo editor da série John Court) e uma mistura saudável de contribuições de ambos, estudiosos mais jovens e mais estabelecidos, a maioria proveniente do Reino Unido, mas alguns do exterior; a série não é, aparentemente, limitada por fronteiras canônicas (Testemunhas Valantasis em Tomé), nem teme assumir alguns riscos e deixar abordagens conservadoras interagir com perspectivas contemporâneas. Até agora, os volumes estão todos no mínimo, interessantes. E este é um dos melhores ainda, para Richard Bauckham parecer ter alcançado o impossível: ele escreveu um livro verdadeiramente estimulante sobre a epístola de Tiago. Ele acrescenta ao impossível o que muitos pensarão ser o incontestável: Tiago, irmão de Jesus, é o autor da epístola.

Richard Bauckham, um especialista - provavelmente o especialista - sobre a família de Jesus, descreve a epístola como "uma encíclica de Tiago à diáspora" (Capítulo 1). Ele argumenta contra a visão padrão que esta é uma carta sob pseudônimo, com apenas uma audiência ficcional e em vez disso, defende a tese de que era de autoria de Tiago, irmão de Jesus, assim como no início de seu
Jude and the Relatives of Jesus in the Early Church Bauckham argumentou que Judas o irmão de Jesus foi o autor da epístola que leva seu nome. Seguindo a prática comum, Tiago escreve uma "carta encíclica parenetica” de Jerusalém, comunicando-se aos cristãos judeus da Diáspora "como eles devem viver como Judeus Messiânicos" (p. 29). Bauckham faz um caso surpreendentemente plausível, tendo pouco problema em demonstrar que as razões-padrão contra essas opções estão erradas.

O Capítulo 2, que compõe a maior parte do livro (pp. 29-111), está em seu coração, dando todo o subtítulo "A sabedoria de Tiago, discípulo de Jesus, o sábio". É exposta a tese fascinante que "Tiago, como um discípulo de Jesus, o sábio, é um mestre de sabedoria que fez a sabedoria de Jesus sua própria, e que busca se apropriar e desenvolver os recursos da tradição judaica de uma forma que é guiada e controlada pelo ensinamento de Jesus" (p. 30). Bauckham procede isolando formas literárias em Tiago (aforismos, analogias e parábolas, etc.) e comparando-as com o uso de formas semelhantes, tanto no ensino de Jesus e, mais genericamente, na
Literatura Sapiencial. Além disso, Bauckham quer afirmar que a epístola não é "uma coleção casual de tradições heterogêneas parentéticas", como Dibelius influentemente lançou-o, mas "é um compêndio da sabedoria de Tiago, organizado depois de uma síntese introdutória, em uma série de seções distintas sobre vários temas", a forma e a estrutura que está "bem adaptadas à sua finalidade, que é fornecer um recurso para adquirir a sabedoria que se expressa em obediência a Deus na vida de cada dia”(p. 108).

Existem várias vantagens na abordagem de Bauckham. Ele não somente maneja dirigir claramente entre as tentativas marteladas de se relacionar o material em Tiago a hipotéticas fontes de evangelho, mas ele também evita o pântano de discutir sobre se Tiago “alude” ou não a ditos de Jesus, simplesmente ignorando o debate e substituindo a linguagem de "alusão" e "eco" com a (em qualquer caso, mais imaginativa) linguagem de "re-expressão criativa". De tempos em tempos, os leitores vão encontrar-se a pensar que "re-expressão criativa" inevitavelmente toma como certo que os ditos estão sendo re-expressos e ao mesmo tempo sendo "aludidos", mas a categoria fresca e o estimulante repensar incentivam-nos a não pressionar o ponto para demasiadamente além. Para Bauckham, provar a dependência entre palavras específicas nos Evangelhos e palavras específicas em Tiago não é o ponto; mais além, este livro é sobre a apropriação de Tiago do espírito de seu mestre.

Bauckham emula o autor, que estaria tentando descrever e rejeitar a sabedoria contemporânea em outras frentes. Quando ele chega ao capítulo 3, para discutir "Tiago no contexto canônico", ele forja um poderoso argumento contra a perspectiva comum sobre Tiago, a qual contrasta a visão de Paulo de "justificação pela fé", com qualificações de Tiago sobre as obras, julgando em favor do anterior e subordinando este último a uma posição canônica inferior. Bauckham argumenta que os estudiosos têm interpretado Tiago por lê-lo como polêmica anti-paulina e que eles não conseguiram ver como eles podem ser vozes complementares dentro do cânon. Na verdade, ele se refere à questão inteira como exagerada e ele empurra o leitor a prestar atenção a mais flagrantes relações que Tiago tem com outras partes do cânon, a Torá, os Sinóticos, Sabedoria e 1 Pedro.

Na verdade Bauckham é tão bom na suavização sobre as diferenças entre Paulo, Tiago e outras correntes do cristianismo primitivo que alguém começa a pensar que Bauckham seria capaz de provar que o próprio Paulo poderia ter escrito esta carta. Bauckham chega até nós como uma espécie de Lucas moderno, para quem todos na Igreja primitiva estão em harmonia, onde as divergências são somente sobre graus de ênfases. Mas é um corretivo útil no atual clima de estudos do Novo Testamento em que a obsessão de encontrar comunidades discrepantes em cada estrato de cada livro canônico, não-canônico e hipotéticos, e um afastamento entre elas, reina suprema.


Em cada capítulo, Bauckham dá dicas para a relevância contemporânea de Tiago e o todo é feito em diálogo com
Kierkegaard, cuja admiração por Tiago contrasta com o desdém freqüentemente citado de Lutero para com o livro. A admiração própria de Bauckham por ambos, Kierkegaard e Tiago, em seguida, culmina em um último capítulo sobre "Tiago em Contextos Modernos e Contemporâneos" (Capítulo 4, pp. 158-208), um belo pedaço de escrita teológica reflexiva do tipo que também é muito rara em todas as obras contemporâneas sobre Novo Testamento.

Não somente é este, sem dúvida, um dos melhores livros sobre a Epístola de Tiago nunca antes escrito, é também um livro com grandes implicações para as questões de cânon, origens cristãs, o Jesus histórico e estudos do Evangelho. É muito bem feito, para um livro baseado no que antes era apenas uma “epístola de palha”.

25 de outubro de 2009

Santa Folia


Não estamos ainda no tempo de Natal, ou o Advento. Mas um pouco próximos. Estamos ainda mais longe da Festa de Folia de Reis, 6 de janeiro. Ahhh, Minas Gerais...

Contudo, a passagem bíblica de Mateus 2.1-12, é de alcance universal quanto a tempo e local. Justamente este é o sentido do episódio. A dimensão global da Encarnação de Deus.

E esta música de Carlinhos Veiga faz uma interpretação muito bacana deste episódio; a canção o leva para um tom mais caseiro, de aconchego, ao mesmo tempo trazendo dela até nós um sentimento de que permeia nossa existência tal qual a vivemos de momentos em momentos e em toda a vida.

O termo empregado para eles - dos quais também na narrativa não se menciona o número - é magoi, referindo-se a sábios da Antiguidade dedicados ao estudo dos astros e relações com fenômenos terrenos. Não há indicação alguma de que eram reis. O provável é de que o autor queria retratar sacerdotes, de regiões da Pérsia ou Arábia. O fenômeno do astro foi retratado como lhes sendo um indicativo de algo importante, majestoso, se sucedendo na história através da Palestina.

Ecoa ali o cumprimento das aspirações dos profetas quanto ao alcance mundial da redenção de Deus vindo por Israel e agregando os que a aspiram, de todas as nações. Enquanto os dominadores políticos e religiosos de Israel se opoem, sentem ciúme, medo de perder o poder, revolta, inveja, ódio. Vêm de fora aqueles que trazem oferenda ao menino Redentor; à família pobre que antes não encontrava um lugar no aposento para hóspedes, para conceber a criança(Lucas 2.7) e depois fora oferecer a oferenda no Templo de duas pombinhas, que era o que faziam os mais pobres (Lucas 2.24). Em que posição estamos?

O pensamento de um sábio cristão antigo, Justino de Roma, O Mártir, encontra uma ponte com uma das lições desse episódio:
Temos aprendido que Cristo é o primogênito do Pai, e acabamos de explicar que ele é a razão (o Verbo), da qual participa toda razão humana, e aqueles, pois, que vivem de conformidade com a razão são cristãos, muito embora sejam reputados como ateus. Assim Sócrates e Heráclito entre os gregos, e com eles muitos outros...
em "A luz que ilumina todo homem". Apologia, I.XLVI.2-4.

Os sábios ofereceram três presentes (por isso acabou-se dizendo que eram "três"): ouro, o que pode remeter à realeza do Messias; incenso, sua função sacerdotal do Messias; mirra, uma essência usada para aplicar nos cadáveres, o que sinalizaria a entrega sacrificial do Messias. Ali aparece a dimensão geográfica (Israel- Belém), global (visita e homenagem dos estrangeiros de terras longínquas) humana ( Belém, os pais pobres, a intolerância e perseguição dos poderosos, o reconhecimento pelos "de fora"), teológica ( os aspectos da missão e identidade última de Jesus desde a mais tenra idade).

Esta matéria do link apresenta interessantíssimo apanhado de questões colocadas a partir da arqueologia e astronomia para este evento da visita dos Magos, juntamente com uma reflexão sobre o signficado simbólico dos elementos.

"À vista do astro, sentiram uma alegria muito grande. Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e prostando-lhe, prestaram-lhe homenagem."

23 de outubro de 2009

Religião e Estado

Aqui postamos que a percepção que advém quando estudamos a declaração de Jesus em São Marcos, capítulo 12.13-17, sobre o dar a César e o dar a Deus, está bem longe da convencional "separação entre religião e política". De fato, é impossível pensar em tais termos para aquela época. Antes, a declaração é um desafio radical à pessoa tomar a fé na integralidade de toda sua vida. Não há compartimentos separados, e a fé não é "questão de fórum íntimo". Não para Jesus, não para o cristianismo.

Contudo, esta questão da separação entre religião e estado é importantíssima de ser frisada dado o histórico e polêmicas no cenário atual brasileiro, com clientelismo e manipulação da fé.

Declaração Teológica de Barmen (elaborada pela Igreja Confessante, que resistiu às pressões nazistas na Alemanha):

VI Artigo:
A Escritura nos diz que o Estado tem o dever, conforme ordem divina, de zelar pela justiça e pela paz no mundo ainda que não redimido, no qual também vive a Igreja, segundo o padrão de julgamento e capacidade humana com emprego da intimidação e exercício da força. A Igreja reconhece o benefício dessa ordem divina com gratidão e reverência a Deus. Lembra a existência do Reino de Deus, dos mandamentos e da justiça divina, chamando, dessa forma a atenção para a responsabilidade de governantes e governados. Ela confia no poder da Palavra e lhe presta obediência, mediante a qual Deus sustenta todas as coisas.

Rejeitamos a falsa doutrina de que o Estado poderia ultrapassar a sua missão especifica, tornando-se uma directriz única e totalitária da existência humana, podendo também cumprir desse modo, a missão confiada à Igreja.

Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja poderia e deveria, ultrapassando a sua missão específica, apropriar-se das características, dos deveres e das dignidades estatais, tornando-se assim, ela mesma, um órgão do Estado.


No século IV, Constâncio, sobrinho de Constantino, fora um imperador ariano que perseguia os cristãos católico-ortodoxos. Ao condenar Atanásio em Milão – 355 – expôs sua concepção sobre igreja/estado, para a Igreja:

Aceite-se minha vontade entre vós e seja ela vossa lei como é lei para os bispos sírios (arianos).

Ósio, bispo de Córdoba (256-357 d.C.) redigiu para Constâncio o que poderia ser considerado o primeiro manifesto, melhor, um protótipo, para a autonomia das esferas:
(...) Abandonai, suplico-vos, os vossos procedimentos. Lembrai que também vós sois mortal; temei o dia do juízo e guardai-vos puro na perspectiva daquele dia. Não interfirais em matérias eclesiásticas, nem nos instruas em semelhante questões, mas a respeito delas aprendei de nós. Deus colocou em vossas mãos o império, mas as coisas de Sua Igreja confiou a nós. Se alguém vos arrebatais o império, resistiria à ordem divina; do mesmo modo, deveríeis, vós e os vossos, temer que, assumindo o governo da Igreja, vos torneis réus de ofensa grave. “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Nós não temos permissão para exercer o poder humano e vós, César, não tendes autoridade para queimar incenso. Assim vos escrevo por se tratar de vossa própria salvação.

Apesar de que, já naquele tempo podemos ver o anacronismo com a passagem do dito de Jesus sobre as moedas, ele antevera uma linha de raciocínio profética que julga a história posterior.



São extremamente delicadas as situações, em que uma norma especificamente religiosa se torna, ou tende a tornar-se, lei do Estado, sem que se tenha na devida conta a distinção entre as competências da religião e as da sociedade política. Identificar a lei religiosa com a civil pode efectivamente sufocar a liberdade religiosa e até limitar ou negar outros direitos humanos inalienáveis.
João Paulo II, Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1991: “Se queres a paz, respeita a consciência de cada homem”, IV, AAS 83 (1991) 410-421.

19 de outubro de 2009

Lex orandi, lex credendi

A maneira como se ora determina aquilo em que se crê.


No relacionamento com Deus, ressalta-se a importância da comunicação. O físico de partículas e teólogo John Polkinghorne afirma: “Sugiro que, quando oramos, estamos oferecendo o nosso espaço de manobra a ser tomado por Deus e por Ele utilizado juntamente com o Seu espaço de manobra, para o maior efeito possível.”

O cristianismo concorda com as críticas de que a imagem de um deus pessoal é projeção humana. Deus, na visão cristã, porém é mais-que-pessoal, não menos. Por isso se ressalta a na teologia cristã que, a partir de um movimento de busca iniciado pelo Altíssimo, podemos abrir o nosso ser para um relacionamento pessoal, em que a pessoa divina do Espírito Santo opera nos elevando ao Deus Triúno, e que por meio da pessoa do Filho temos acesso aberto ao Pai. Um dos temas principais nas cartas paulinas na Bíblia é de que as promessas de Deus encontraram seu cumprimento pleno em Jesus e por Jesus, e nele residia a Nova Aliança, o que derrubava as barreiras que separam o ser humano do Santo dos Santos.

Assim achega-se a Ele consciente da aliança estabelecida pelo auto-sacrifício e vitória de Jesus na cruz, com o perdão dos pecados, e a libertação ante as forças do mal, tendo nós em Cristo a demonstração do amor visceral do Senhor do Universo que, a partir de uma entrega nossa, quer nos infundir essa vida de amor. Podemos assim ser transparentes; vulneráveis; frágeis; receptivos; livres. "A oração jorra como uma flecha da alma daquele que ora" (Orígenes).

Como C.S. Lewis escreveu uma vez, não nos devemos reter na imagem que fazemos de Deus. Antes, podemos chegar a Ele “por quem Tu sabes que és”. Pois “orações não mudam a Deus, mudam a mim”.


16 de outubro de 2009

Jesus e Yawé




Shemá – principal e central profissão de fé judaica:

Deuteronômio, 6.4:
Ouça, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o Senhor que é um.


Em 1 Coríntios 8.6:
Para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para o qual nós vamos, e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas e através do qual nós somos.



Isaías 45.23:
Por mim mesmo jurei; já saiu da minha boca a palavra de justiça, e não tornará atrás. Diante de mim se dobrará todo joelho, e jurará toda língua.


Filipenses 2.5:
Foi por isso que Deus o exaltou soberanamente e lhe conferiu o Nome que está acima de todo nome, a fim de que todo joelho se dobre, nos céus, na terra e debaixo da terra.

8 de outubro de 2009

Paz, não como o mundo


Em todos os tempos, a religião possui uma função importante para a vivência humana, considerando o ser humano em sua integralidade. Cumpre uma função social, de dar coesão, motivações para as ações morais, força de vontade para além das dificuldades e absurdos da vida, a função estética, e para cada pessoa transcender a banalidade do cotidiano.

Contudo, uma tônica na pregação profética no Antigo Testamento, na Bíblia Hebraica, é a de que a religião não caia e se esgote apenas nisso. Não seja um sedativo para as consciências, não seja apenas um analgésico, para que o culto não caísse apenas numa ocasião social, nem fosse instrumentalizado para a busca de satisfações individuais, ou para alimentar o nacionalismo ou “harmonia social” apagando as injustiças e cobrindo o desamor. Deus não se deixava vender.


Dize a todo o povo da terra e aos sacerdotes: quando jejuastes, com lamentações, no quinto e no sétimo mês, e isso durante setenta anos, foi acaso para mim que praticastes esse jejum? Quando comíeis e bebíeis, não era para vós mesmos que comíeis e bebíeis? Não é esse, porventura, o sentido das palavras que o SENHOR proclamara por intermédio dos antigos profetas, quando Jerusalém vivia na paz e na tranqüilidade, cercada de suas cidades, e o Négueb e a Baixada eram habitados?
A palavra do SENHOR veio a Zacarias nestes termos: _Assim falava o Senhor de todo poder: ‘Pronunciai julgamentos verazes e que cada qual use de lealdade e misericórdia para com seu irmão. Não exploreis a viúva e o órfão, o migrante e o pobre; que nenhum de vós premedite fazer mal a seu irmão’. Recusaram-se, todavia, a dar atenção; deram de ombros e endureceram os ouvidos para não ouvir. Tornaram seu coração duro como diamante, para não ouvir a instrução e as palavras que o SENHOR de todo poder, lhes dirigira pelo seu Espírito, por intermédio dos antigos profetas. Entrou, então, em grande cólera o SENHOR de todo poder. E declarou, em conseqüência, o Senhor de todo poder: ‘Como eu os chamei e eles não me escutaram, assim eles me chamaram e eu não os escuto’.
Zacarias 7.4-13.

Esta passagem se dá num contexto em que as autoridades políticas, religiosas e do povo, consultam ao profeta Zacarias, que provavelmente exercia a função de sacerdote, a respeito de questões rituais, como manter ou suprimir os jejuns comemorativos. Era véspera do ano de dedicação do Segundo Templo do judaísmo, após o regresso do povo da Pérsia, aonde estava exilado. Era a perspectiva do novo começo na terra, e assim a função cultural e sociológica da religião era premente para reorganizar a nação.

Como ele mesmo ressalta, não foi o primeiro a advertir as pessoas. Foi algo constante na história. Mas o povo teimava. Queriam paz para a consciência, sem chatices de mudanças de atitudes que incomodassem sua busca prioritária por sossego e acomodação social auto-indolente, e querer levar vantagem em tudo sem ceder pensando no bem para o semelhante, buscando fugir, insensível, dos problemas do mundo, correndo atrás apenas da própria felicidade, sem pensar na pureza do comportamento e consciência para com Deus, na vontade própria, incorruptível, dEle. É a vivência de fé, com o apelo à conversão interior, que explode tanto com a displicência quanto com o legalismo.

Vamos a duas advertências mais antigas:


O jejum que prefiro, acaso não é este: desatar os laços provenientes da maldade, desamarrar as correias do jugo, dar liberdade aos que estavam curvados, em suma, que despedaceis todos os jugos?
Não é partilhar teu pão com o faminto?
E ainda: os pobres sem abrigo, tu os albergarás; se vires alguém nu, cobri-lo-ás: diante daquele que é a tua própria carne, não te recusarás.
Isaías 58.6-7.

Ainda mais:

Desejará o SENHOR milhares de carneiros? Quantidades de torrentes de óleo? Sacrificarei meu primogênito pela rebeldia? O filho de minha carne pelo pecado que cometi? Foi-te dado conhecer, ó homem, o que é bom – o que o SENHOR exige de ti: nada mais que respeitar o direito, amar a fidelidade, e aplicar-te a caminhar com o teu Deus.
Miquéias, 6.7-8.


(...)
O vosso amor é como a nuvem
da manhã,
como o orvalho matinal que passa.
Por isso os feri por intermédio dos profetas,
trucidei-os pelas palavras da minha boca;
e meu julgamento jorra como a luz.
Pois é o amor que me agrada, não o
Sacrifício;
e o conhecimento de Deus, eu o prefiro
aos holocaustos.
Oséias, 6.4-6.


Por isso é muito cômodo para a pessoa forjar um ídolo: a relação é meramente utilitarista. E com certos rituais, ou costumes certos, pode-se mesmo manipulá-lo, esperando os benefícios enquanto o compra. Tira dor de cabeça, trás de volta a pessoa “amada”, dá dinheiro (10 x !!)...

Agora, viver pela justiça e amor, num mundo decaído, acarreta riscos. E é para essa relação que O Incondicional, O Eterno, chama a pessoa. Por isso é mais cômodo a pessoa dizer que crê numa divindade diáfana, sem Poder para intervir. Uma divindade vaga, sem Presença, à qual não se tem com que se preocupar. Não se presta contas. Não “incomoda” a consciência alertando para os estados de rebelião para com Ela. Não tem Juízo. E damos desculpa de que “não quero sentimentos de culpa”. Na pregação profética, Deus tem vontade própria. E para Ele, não vale nada um culto bonito, com tudo esquematizado, todo o ritual cumprido, que não acarrete mudança de vida; conversão do coração, atitude interior. Que não se concretize em relações de justiça na sociedade, sem esnobismo para com ninguém, mas com equidade. Que o relacionamento com o SENHOR seja de busca pela Sua Santidade, para receber dEle Seu amor e com isso viver Seu amor.

Pois Deus não precisa de que adoremo-Lo. Ele deseja compartilhar de Si, até mesmo elevar Suas criaturas, criadas à Sua imagem e semelhança, através da comunhão consigo e do relacionamento sincero e reto com Ele, a uma “divinização”. Com a adoração, a pessoa se abre para crescer e caminhar com Deus, e Ele compartilha com ela de sua Natureza. A alegria com o bem, a felicidade, e o ódio ao mal e tristeza ante a injustiça com Sua criação. Sem isso, ir à igrejas, participar de rituais, seguir liturgias, fazer aclamações, orações eloqüentes, são atos ocos.


A obra da justiça será a paz:
O empenho da justiça, calma e segurança para sempre.
Isaías, 32.17


2 de outubro de 2009

Via Crúcis


Foi com os olhos vermelhos
Cravados à frente do que eu apenas podia
ver
Com um gosto de vinho muito forte
Pude ouvir, o sussurro da senhora
morte
Passava à margem, e eu a vi no reflexo espelho
De onde saía para
lutar
a batalha que jamais hav (er)ia de vencer


Bradei, eu gemi, como uma besta humanóide
Na masmorra hórrida a recalcitrar
nas algemas
Achei que ia sucumbir quando a armadura se partiu
O elmo caiu
Não podia prevalecer
contra mim mesmo, era eu apenas
Meu temor, temor congelante que arranha as artérias
Era como se aqui neste asteróide, ah, poderia imaginar
o que iria sobrar de mim pra sobreviver?
Sem fôlego, o céu da noite parado, as estrelas
a esmo
sem um assobio

Foi quando lancei mão, além da experiência à esperança
Me lancei, lancei-me de mim
Me juntei ao único que desse embate
já foi vencedor
Ele realmente não provém daqui...
da terra dos espelhos embaçados.