7 de junho de 2009

FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE - parte II


Algo que nunca podemos perder de vista é a consciência sobre o quê, melhor, sobre quem, estamos falando. Falando de Deus. Ouvi uma mensagem de um Reverendo que dizia “se não podemos conhecer as pessoas com quem convivemos direito, nem nós mesmos sabemos nos explicar bem, como queremos explicar de vez Deus”?

Mas isso não é uma “saída pela esquerda”, ao estilo Leão da Montanha.

Estamos falando da Realidade Fundamental, da causa primária, que sustenta a criação e de quem viera a razão de todo o Cosmos vir a ser; estamos falando da Realidade Última, a causa maior, para a qual converge toda a realidade; falamos do “infinitamente básico” e o “infinitamente maior”.

Como o teólogo da tradição ortodoxa Vladimir Lossky acentua, “Sendo anterior a qualquer qualificação - bondade, inteligência, amor, potência, infinidade - em que Deus se manifesta e pode ser conhecido, a Trindade é uma realidade primordial, que não pode estar baseada em nenhuma outra razão que não a de si mesma...A Trindade permanece para nós o Deus absconditus [escondido], o Santo dos Santos da existência divina, ao qual não é lícito levar nenhum 'fogo estranho'".

Portanto, esse espanto, ao experimentarmos uma esfera de conhecimento que extrapole o usual é algo a se esperar. O biólogo Richard Dawkins admite que “ a física moderna nos ensina que a verdade não se limita ao que os nossos olhos podem ver, ou ao que pode ver a limitação da mente humana, desenvolvida como ela foi para dar conta de objetos de tamanho médio movimentando-se a velocidades médias ao longo de distâncias médias na África”.

Por exemplo, temos fenômenos que são parte da natureza, como a “dilatação anômala” da água, essencial para a existência de vida abundante na Terra.

O “princípio da superposição”, em que uma partícula fundamental como os elétrons podem se encontrar em um estado combinado entre “estar cá” e “estar lá”.

A Relatividade Geral que, prevê coisas estranhas como “curvamento do espaço” e “distorção do tempo”.

O “problema da medição” na mecânica quântica: e o “Princípio da Incerteza”.

Os “números surreais” e “números hiperreais” em matemática. Os “atratores estranhos”, “fractais” e “espaços de fase” na teoria do caos. O vôo das abelhas e besouros

Sob esse prisma vejo o quanto atinge diretamente ao alvo a perspicaz observação de C.S.Lewis, no capítulo “A Invasão”, de “Cristianismo Puro e Simples”, "Algumas pessoas forjam uma versão do cristianismo própria para um garoto de seis anos a fazem dela objeto de seus ataques. Quando se procura explicar a doutrina cristã como realmente é professada por um adulto instruído, reclamam que você está querendo mexer com suas cabeças e que é tudo muito complicado. Dizem ainda que se existisse um Deus estão certos de que teria feito da religião algo simples, porque a simplicidade é tão bonita, etc."

No tópico “O Deus Tripessoal”, ele lança ““Hoje em dia, um bom número de pessoas diz: 'Acredito em Deus, mas não num Deus pessoal.' Elas pres sentem que o mistério por trás de todas as coisas deve ser maior que uma pessoa. Os cristãos concordam com isso. Porém, os cristãos são os únicos que oferecem uma idéia de como seria esse ser que está além da personalidade. Todas as outras pessoas, apesar de dizerem que Deus está além da personalidade, na verdade concebem-no como um ser impessoal: melhor dizendo, como algo aquém do pessoal.”

(...) “O nível humano é um nível simples e mais ou menos vazio. Nele, uma pessoa é um ser e duas pessoas são dois seres separados - da mesma forma que, num plano bidimensional como o de uma folha de papel, um quadrado é uma figura e dois quadrados são duas figuras separadas. No nível divino, ainda existem personalidades; nele, porém, as encontramos combinadas de maneiras novas, maneiras que nós, que não vivemos nesse nível, não podemos imaginar. Na dimensão de Deus, por assim dizer, encontramos um Ser que são três pessoas sem deixar de ser um único Ser, da mesma forma que um cubo são seis quadrados sem deixar de ser um único cubo. E claro que não conseguimos conceber plenamente um Ser como esse. Do mesmo modo, se percebêssemos apenas duas dimensões do espaço, não poderíamos jamais imaginar um cubo. Mesmo assim podemos ter dele uma noção vaga. Quando isso acontece, nós conseguimos ter, pela primeira vez na vida, uma idéia positiva, mesmo que tênue, de algo suprapessoal — algo maior que uma pessoa.”

Em “Da Trindade”, Santo Agostinho de Hipona reflete que, à luz da doutrina da Trindade, podemos entender que Deus é amor, pois já experimentara em si mesmo o vínculo e a relação de amor antes de existir qualquer coisa além de Si mesmo. Deus seria uma eterna relação de amor auto-doador. Leonardo Boff desenvolve essa perspectiva em “Santissima Trindade é a Melhor Comunidade”: “ O entrelaçamento das divinas Pessoas faz emergir a intimidade, o aconchego e a expansão da ternura, próprias da felicidade eterna. Esta felicidade é a própria Trindade se mostrando como Trindade de Pessoas distintas na unidade de uma mesma comunhão, de um só amor e de uma única vida, comunicada, recebida e devolvida.” Isso está fundamentado na leitura que os primeiros cristãos empreenderam, com sua ação desvelada na Bíblia no plano da salvação, e manifestando em referências como "Sabedoria"[ Pv. 1.20-23;9.1-6;Jó 28; Sb. 6.12-21; 7.24-11.3; Sirácida 24.1-22], "Palavra de Deus" [Sl.119.89; 147.15-20; Is.55.10-11] e "Espírito"[ Is.42.1-3; Ez.36.16; 37.1-14].

Jurgen Moltmann, incisivamente, formulara uma teologia em que a visão da realidade triúna de Deus seria a luz que iluminaria a reflexão sobre seu envolvimento com o mundo, e sua participação nas lutas e sofrimentos humanos, não como expectador frio, complacente ou julgador real implacável, mas comprometido, partilhando de nossas dores. Desde a criação :

“ Se deixarmos de entender Deus monoteísticamente, como sujeito absoluto, mas o vermos em sentido trinitário como unidade do Pai, do Filho e do Espírito, então já não poderemos conceber o mundo por ele criado como uma relação de dominação unilateral. Somos obrigados a encarar isso como uma intrincada relação de comunidade – muitas camadas, muitas facetas e em muitos níveis.”

Até ao plano redentor para nós, “Se a base central de nosso conhecimento da Trindade é a cruz, na qual o Pai entregou o Filho por nós através do Espírito, então é impossível conceber qualquer Trindade de substância no fundamento original desse evento, em que a cruz e a abnegação não estão presentes. Mesmo a afirmação do Novo Testamento de que “Deus é amor” é o resumo do abandono do Filho através do Pai por nós. Isto não pode ser separado do acontecimento do Gólgota sem se tornar falso“ - no já citado "A Trindade e o Reino de Deus”.


“E esse mesmo Deus foi morto por vocês -
É só maldade então, deixar um Deus tão triste.” Legião Urbana.

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