30 de setembro de 2012

A Visão, O Chamado

No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi também ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo.
Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam.
E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória.
E os umbrais das portas se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça.
Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos.
Porém um dos serafins voou para mim, trazendo na sua mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz;
E com a brasa tocou a minha boca, e disse: Eis que isto tocou os teus lábios; e a tua iniqüidade foi tirada, e expiado o teu pecado.
Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim. 
Isaías 6:1-8
O Chamado de Isaías - Giovan Battista

Aleksandr Pushkin – poeta e teatralista russo (1799 – 1837)


O Profeta

Tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher


Num ermo, eu de âmago sedento
já me arrastava e, frente a mim,
surgiu com seis asas ao vento,
na encruzilhada, um serafim;
ele me abriu, com dedos vagos
qual sono, os olhos que, pressagos,
tudo abarcaram com presteza
que nem olhar de águia surpresa;
ele tocou-me cada ouvido
e ambos se encheram de alarido:
ouvi mover-se o firmamento,
anjos cruzando o céu, rasteiras
criaturas sob o mar e o lento
crescer, no vale, das videiras.
Junto a meus lábios, rasgou minha
língua arrogante, que não tinha,
salvo enganar, qualquer intuito,
da boca fria onde, depois,
com mão sangrenta ele me pôs
um aguilhão de ofídio arguto.
Vibrando o gládio com porfia,
tirou-me o coração do peito
e colocou carvão que ardia
dentro do meu tórax desfeito.
Jazendo eu hirto no deserto,
o Senhor disse-me: "Olho aberto,
de pé, profeta e, com teu verbo,
cruzando as terras, os oceanos,
cheio do meu afã soberbo,
inflama os corações humanos!"

17 de setembro de 2012

Arvo Part - Magnificat

Belíssima composição tendo como tema o "Magnificat" de Maria, apresentado no Evangelho Segundo São Lucas. Para um profundo mergulho espiritual...

2 de setembro de 2012

Escapismo, Batalha e as Trevas do Ar

Finalmente, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder. Revesti a armadura de Deus para poder resistires às insídias do diabo. Pois não lutais contra carne e sangue, mas contra as Autoridades, contra os Soberanos, contra os Dominadores das trevas deste mundo, contra os espíritos do mal que povoam o ar. Portanto, tomai as armaduras de Deus, para poderem resistir no dia mau e saírem firmes de todo o combate. Cingi os rins com a verdade e revesti-vos da couraça da justiça, calçai as sandálias com o zelo para com o evangelho da paz, empunhando sempre o escudo da fé, com o qual se apagarão as lanças inflamadas do Mal. Tomai o capacete da salvação e espada do Espírito, que é a palavra de Deus.

Permanentes na oração e súplica, orai constantemente no Espírito; para isso, vigiai com toda a perseverança, rezando por todos os consagrados.
Efésios, 6,10-20

Há um tempo em que a maioria dos especialistas técnicos considera que o autor do livro “Aos Efésios”, do Novo Testamento, não é o apóstolo Paulo. Não temos uma explicação de consenso ainda a respeito desta autoria. Minha posição é de que seus discípulos, seja ainda com o apóstolo em vida, autorizando, seja após sua morte, retrabalharam a Epístola aos Colossenses, para aplicá-la, da especificidade desta comunidade, para a Ásia Menor em geral considerando a pertinência da sua pauta para as igrejas da região. Daí o enfoque dela, menos cristológico, ou seja, uma ênfase menor sobre a natureza universal de Cristo, para mudar as ênfases eclesiológicas, de igrejas locais para a natureza universal da Igreja de Cristo.

Ele é profundamente marcado por traços do imaginário intelectual apocalíptico judaico, depositário de heranças como constante no Livro de Ezequiel, Joel, Daniel, etc. Nesta tradição, se ressaltava as Forças do Mal como figuras e poderes cósmicos, atuando nos sistemas sociais humanos, disputando o controle e destino final da História.

Mais cedo neste livro neotestamentário, no primeiro capítulo, versículos 19-20, fala-se do Poder de Deus operando na história, através de Cristo, suplantando as forças diabólicas através da sua Ressurreição, completando o desfecho da história com a consumação de Seu Reinado em uma Terra transformada.

O psicólogo social Eric Fromm cunhou o conceito de “caráter social” para assinalar a energia psícossomática canalizada nos contornos dos padrões que um sistema social requer para funcionar. Nosso sistema histórico hoje tem como eixo a acumulação autorreplicante de capital... “acumulai, acumulai, assim dizem a Lei e os Profetas” (Karl Marx)... O lucro efetivamente capitalista é o lucro extraordinário, situado num patamar acima da média do mercado. Rompe com qualquer limite ou constrangimento. O indivíduo, para o sistema, existe em função do quanto contribui para maximizar, para a regularidade e inexorabilidade disto, os que falham são deixados para trás e existe uma rede de artifícios para fazê-lo se sentir inferiorizado e descartável. Este dínamo impulsona as pessoas e gera cargas simbólicas e psicológicas que influenciam o comportamento, tendendo a aumentar o egoísmo implacável, a ardilosidade, trapaça, desconfiança e falta de amor; “naturaliza” isto. Está por traz de todos os processos que sustentam este sistema. Por vezes, parece ter vontade própria, consciência, sabendo aprender, recuar, contra-atacar... Sua fome é insaciável.

Sem disciplina espiritual, oração e silêncio, silêncio e escuta, sem uma certa “ritualidade do Sagrado” - não mecânica – de forma a nos organizar na integralidade do nosso ser, para abrirmo-nos e entregarmo-nos, sermos preenchidos e impulsionados pela e para ação da Força do Bem Maior, que provém da vontade de Deus, nossa luta no mundo é um “bater-cabeças”. E o mal pode até este nosso pugnar contra nós mesmos, pois por fora nos faremos de idealistas, “pessoas boas”, virtuosas, porque cumprimos os códigos, proferimo-los; os jargões de quem contende pelo bem, mascarando e cuidando das maldades que brotam em nosso interior. Escapando de enfrentá-las.

Escapismo...que palavra galhofeira!

"Não derrame lágrimas", por Denis Peterson

Dizem que devemos deixar de lado fantasias e imaginação, porque são coisas escapistas, e costumamos ler ou ouvir que as artes, as artes devem nos “trazer para” a vida real, ou “falar da vida real”, ou “re-tratar a" vida real; se chega a estabelecer como parâmetro de qualidade o quão “fiel à vida real” se consegue ser... “Vida real”...o que que é isto? Nossas funções orgânicas, o que se processa entre os glúons, quarks e léptons? Como tudo isso se encadeia no conjunto total?

A discussão política, ou da “vida”, nossos temas “concretos”, às vezes servem de escapismo pra conta que tem de se pagar, pro perdão que se deixou de pedir, de dar...pros defeitos que apontamos nos outros para escapar dos nossos. Nossas manifestações humanitárias não servem de escapismo para os modos como agimos de forma rude com aquela pessoa?.. Nossos motes e jargões religiosos e antirreligiosos, ideológicos, nossas “compaixões”, não são escapismos das vergonhas que sentimos de muitas nossas ações, nossas frustrações, para as quais buscamos esses escapismos pra nos convencer que no fundo somos “pessoas boas” e nos darmos todas as licenças ao sabor de nossos caprichos?



Influenciado pelo mestre Paulo, o (s) discípulo (s) autor (es) emprega o estilo retórico dos filósofos de moral; costumavam explanar sobre os conflitos para se viver uma vida de virtude como uma competição esportiva ou uma guerra. As imagens: o preparo dos soldados e a formação das brigadas do exército romano. Cinturão: protegia o ventre. Couraça: protegia o peito. Capacete, obviamente a cabeça. Sandálias: proteção dos pés para poder marchar firme e compassado. Escudo: protegia contra os dardos.

Para a eficácia verdadeira, se formava um bloco fechado de soldados. A espada era empregada na luga frontal com o inimigo. Assim, a mensagem e o espírito do Evangelho é o que o cristão tem para manejar quando confrontado frente a frente com os poderes do caos, absurdo, exploração, crueldade... agindo sobre as pessoas e pelo sistema. Alude-se ao “Evangelium de César”, as “boas-novas” que eram proclamadas à frente da procissão pomposa que vinha do Imperador saudando uma conquista bélica de um território. Aqui, é o Evangelho da Paz, de Jesus Cristo, em desafio franco e aberto.

A oração de uns pelos outros... Um soldado só, é vulnerável. Ele abre a guarda do grupamento. O exército coeso não se conseguia deter. As portas do inferno não prevalecem sobre ele. Cada assessório mencionado, maneado em conjunto, cobria o pelotão e o permitia avançar. Os cristãos se unem e se cobrem orando uns pelos outros, porque não se deixa assim a união espiritual ante os ataques do cotidiano que pode fazer os momentos mais vívidos de fé íntima esvanecerem. Persistir.

Um dos meus maiores constrangimentos em orar costuma ser em não me achar bom o suficiente, vindo à tona que encontro em mim sentimentos de que o momento de oração logo se torna desagradável, vem a mim todas minhas motivações diversas que são harmoniosas com os valores e propagandas deste sistema que o Evangelho condena. Mas o escritor de Efésios pede que o próprio Espírito de Deus seja o Suscitador da oração. “Pois, embora a consciência nos acuse, Deus é maior que a nossa consciência e tudo conhece”. Não se manifestar em mim ainda aquilo a que Deus sonhou para mim, e ousar dobrar meus joelhos para Cristo, não é escapismo. E encontro. Destes encontros vêm a vitória de Deus contra o mal em mim, e no meu mundo. O mistério do Evangelho.