29 de novembro de 2009

O Messias vem ao Mundo - parte III

Estamos chegando ao Natal, uma ocasião importantíssima para remetermos os simbolismos religiosos à suas raízes bíblicas, de forma a buscarmos, numa luta árdua, buscar manter indivisos as cores, simbologias, e as raízes cristãs, a partir do significado delas, o tema e contexto desenvolvido, na era de banalização, individualismo e consumismo pela qual passamos.
Aqui antes já tratamos da visão cristã da vinda do Messias, a partir de um tratamento mais focado em Mateus. Vamos aqui lidar agora com a genealogia do Evangelho Segundo São Lucas.

A princípio, tal genealogia causa alguns problemas internos, e vamos tratar dos principais. Porque ela é tão diferente da de Mateus?

Já tratamos, no texto anterior, da ligação ao rei Davi [cuja presença no imaginário judaico era muito forte, na expectativa de haver alguém como ele para libertar os judeus do jugo das nações] feita por Mateus através da adoção e imposição do nome por parte de José. Aqui, em Lucas, o evangelista remonta a ligação através da mãe de sangue, Maria.

Mas, faria sentido isso? Traçar a partir da mãe, e não do pai, em uma cultura patriarcal?

No livro “Assim viviam os contemporâneos de Jesus – cotidiano e religiosidade no judaísmo antigo”, de Michael Tilly, me veio uma reflexão sobre um aspecto a respeito da genealogia em Lucas.

O estoicismo, de Zenão de Chipre, estava sendo a filosofia preponderante no mundo greco-romano, e mesmo dentre os escribas mais ortodoxos, em reação a esse ambiente se via a necessidade de realçar o fundamento lógico das leis da Torah, apresentando a sua sensatez diante de desafios colocados por questões racionais. E nesse aspecto, haviam interações com elementos do direito romano, e os métodos de exposição dos retóricos. Havia então uma regra de Halakhá que versava que o fator determinante para se considerar um judeu de nascença seria o filho de mãe judia e não o de pai judeu (b Jevamot 44-45a), algo relacionado ao princípio romano de pater semper incertus, “pai sempre incerto".

Desta forma inferimos que, no ambiente lucano, mais helenizado, uma interação semelhante poderia ter influenciado a preocupação de traçar uma genealogia a partir da mãe. De fato, o Evangelho Segundo São Lucas nutre um carinho especial para com as mulheres.

Mas, como ela seria da linhagem davídica, se sua parenta, Isabel, era da tribo de Arão?
Neste caso, as duas teriam que ser aparentadas através de casamentos. O casamento entre tribos era permitido, ainda que desincentivado, exceto no caso de um herdeiro. O precedente vinha do próprio Arão, que casara com alguém da tribo de Judá. (Ex. 6.23; I Cr. 2.10).

Outra marca importante do ambiente mais helenizado de Lucas, é que ele trabalha com algo não usual nos ambientes menos helenizados e mais judaizados, a citação de mulheres em genealogias. No caso, a partir do tratamento que ele deu ressaltando Maria, ele continua sob esse padrão quanto às “portadoras dos enviados de Deus” e/ou “agentes da libertação do povo por parte de Deus”. Na Bíblia observamo-las, como por exemplo, Sifrá e Puá, as parteiras em Êxodo 1; Débora a juíza e Jael, que matou Sísera(Juizes 4-5); Ana (1 Sm. 1,2). Tal tema é ainda mais ressaltado no cântico de Maria e Isabel.

O fabuloso cântico tradicionalmente chamado “Magnificat”, de Maria, remete ao Cântico de Ana, na passagem citada do livro de Juizes. Possivelmente deveria existir e ser conhecido nos tempos do nascimento de Jesus no ambiente das sinagogas, ou músicas piedosas especiais. Poderia ressoar nas comunidades populares, que cultivavam tradições israelitas que evocavam libertação contra os poderosos, como as de Elias. Lucas também menciona Ana, da tribo de Aser, Esta não era uma tribo destacada na literatura hebraica/judaica. Mais uma vez vemos o padrão de notar atentamente para as coisas que passam despercebidos, que os padrões mundanos consideram insignificantes; e assim Lucas inclui, o alcance universal da obra de Deus em Cristo novamente é destacado, alcançando os “ignorados”, desta vez, podemos inferir de Lucas que Deus estava reconstruindo Israel, incluindo os antigos exilados e dispersos.

Lucas ressalta a subversão que significa a chegada do Messias: a vitória contra todos os poderes despóticos e opressores, e a mentalidade da vitória da força nua característica da história do mundo.


Richard Bauckham, um dos maiores peritos em Novo Testamento do mundo, sugere, e eu concordo com ele, que diferenças de foco à parte, ambas as genealogias visam "exprimir o sentido universal do propósito de Deus, nomeadamente, que Jesus é o Messias judeu para os gentios", e que veio redimir a humanidade, os "sãos" e os doentes.

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