29 de maio de 2009

O Messias vem ao mundo


Os livros de Mateus e Lucas apresentam, na sua introdução, relatos sobre o nascimento de Jesus. Seria por mera curiosidade, ou haveria um significado especial em apresentarem estes eventos?

Vamos refletir sobre alguns dos significados que teriam para os cristãos, bem como judeus e “gentios” não cristãos, as passagens especificadas sobre o nascimento de Jesus, buscando também implicações para a espiritualidade cristã hoje.

Temos em mente que diferentes perspectivas, contextos e motivações nos relatos proporcionaram diferenças entre eles; não se tendo uma harmonia perfeita, temos porém um caminho sincronizado que se pode traçar entre ambos.

A – Ambos contextualizam o nascimento de Jesus durante o governo de Herodes Magno (Mt. 2.1; Lc. 1.27-34).
B – Maria não tivera relações com José antes de engravidar (Mt.1.18; Lc 1.27-34)
C – José não está envolvido na concepção de Jesus (Mt. 1.18-25; Lc. 1.34)
D – José é da linhagem de Davi (Mt. 1.16-20; Lc. 1.27; 2.4).
E – O anjo anuncia a concepção e o nascimento de Jesus ( Mt. 1.20-21; Lc. 1.28-30)
F – Jesus descende de Davi (Mt.1.1; Lc.1.32)
G – A designação do nome de Jesus antes do nascimento (Mt. 1.21; Lc. 1.31)
H - Jesus virá ao mundo concebido pela ação do Espírito Santo (Mt. 1.18- 20; Lc 1.35)
I – Jesus tem sua vocação como ‘Salvador’ da parte de Deus ( Mt.1.24-25; Lc. 2.11)
J – José e Maria se casaram antes de Jesus nascer (Mt. 1.24-25; Lc. 2. 4-7)
K – Jesus nasce em Belém (Mt. 2.1; Lc. 2.4-7)
L – A família vai residir em Nazaré (Mt. 2.22-23; Lc. 2.39-51)

Teremos em vista esse panorama ao tecermos nossas reflexões.

Podemos compreender bem o que o erudito John.P. Méyer observou:
"(...)Quaisquer concordâncias entre os dois [Mateus e Lucas] nessas narrativas se tornam historicamente significativas, em especial quando o critério da múltipla confirmação é invocado. Essas concordâncias em duas narrativas independentes e profundamente contrastantes representariam, no mínimo, um recurso a uma tradição mais antiga, e não a criação dos evangelistas".
- extraído de Um Judeu Marginal. Repensando o Jesus Histórico. Volume Um: As Raízes do Problema e da Pessoa, Rio de Janeiro, Imago, 1993,pp. 213-214.

Comecemos com a narrativa do capítulo primeiro do Evangelho de Mateus.


É imprescindível que tenhamos em mente algo que ilumina a abordagem de Mateus, e de grande parte dos cristãos no Novo Testamento, em relação às Escrituras (que para eles, eram o que os cristãos hoje chamam de Antigo Testamento). Sem buscarmos uma mínima “empatia” nesse ponto, nos deparamos com um obstáculo no qual muitos pesquisadores tropeçam. Eles enxergam que algumas referências do evangelista para com as passagens das Escrituras não correspondem ao que elas se referiam de forma mais direta na situação histórica imediata delas. E daí, entendem que se fez uma “profecia historicizada”, ou seja, transformaram suas expectativas ulteriores em relação às profecias em histórias inventadas, para respaldarem-se e atribuírem significado especial à Jesus.

Dentre os métodos de interpretação das Escrituras por parte dos mestres judeus do século I, há um chamado Remez. Baseava-se num entendimento de que, se no contexto do registro escriturístico, Deus estava agindo em seu plano na história, referente à aliança, promessa, salvação e Seu reinado, haveria significados mais profundos no escrito que escapavam ao conteúdo mais imediato ao se redigi-lo, com dicas dadas pelo Deus que inspira o texto. O essencial é que a ênfase não fica assim na ação humana, mas na ação e no falar de Deus por intermédio dela.


Os cristãos buscavam na Escritura a coerência interna para sua confiança messiânica confirmada pela ressurreição de Jesus. Retomavam eventos da vida de Jesus e destacavam-nos pela sua significação para a Igreja. Não buscavam "mascarar" a alusão, escondê-la. A apresentavam abertamente, dizendo que “aconteceu segundo as Escrituras”, o que conta, pois caso contrário poderia sim ser interpretado como um macete para dizer aos judeus não-cristãos: “olha só, estamos provando pra vocês”, no que, é claro, poderiam esperar contra-respostas: “o quê, vocês estão inventando os relatos para casarem com as Escrituras”. Eles deviam imaginar que, diante de respostas assim, poderiam ter com o que argumentar que não estavam forjando.

Com esse procedimento buscavam descortinar o que entendiam como o propósito maior de Deus na história atuando nos acontecimentos de Jesus. De forma tão natural que dá pra se imaginar que nem supunham que alguém iria querer usar isso justamente para desacreditá-los; antes, as controvérsias seriam se as Escrituras realmente apontavam para aquilo. Aliás, diziam que Jesus cobrava esse entendimento deles e se referenciava assim.

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