29 de maio de 2009

O Messias vem ao Mundo: Parte II




Acompanhem-nos agora a partir do primeiro capítulo.

O Evangelista apresenta de cara uma genealogia. Pra quê essa genealogia? Um exercício diletante? Qual o significado ela teria para ocupar um espaço que Mateus julgasse importante apresentar.

Ele oferece uma dica, ao delimitá-la em três séries de quatorze (7+7) gerações; de Abraão a Davi, de Davi ao cativeiro Babilônico, e deste a Jesus; algo que aponta para uma relação com a ação de Deus se desvelando. Aponta que aquele que seria chamado o Messias pelos cristãos descendia de Abraão ( cf. Gn. 22.18), de Jacó (Nm. 24.17), Judá (Gn. 49.10), Jessé (Is.11.1), Davi (2Sm.7.13), Zorobabel (Ageu 2.22-23).

O termo empregado be’n, indica: primeiramente, filiação; além, descendência. Depois, pode indicar também atributos herdados/compartilhados; neste sentido, as qualidades especiais de Abraão (modelo de fé e obediência – Gn. 26.23-24), Davi (destacado como tendo seguido Deus de todo o coração – I Reis 14.8).

A genealogia apresenta um ponto de certa forma inusitado: cita e dá destaque a mulheres, que raramente são incluídas em genealogias; ainda por cima, mulheres “gentias”, adotadas na família do povo eleito de Deus. Tamar, Raabe (que fora uma prostituta), Rute, Beth-Sheba ("o rei Davi gerou a Salomão da que foi mulher de Urias"). Também menciona Manassés e Abias, personagens reprovados. Um fator indicador da concepção de que em Jesus Cristo a Nova Aliança com Deus seria universal, quebrando barreiras e incluindo tanto homens quanto mulheres, sem discriminação de etnia, nacionalidade e status social. E que Jesus teria vido também para redimir os pecadores.

Reparem no versículo 18: Mateus falando de Maria como “prometida”, [kiddushin = santificada]. Dêem uma lida no terrível texto de Deuteronômio 22. 13-29. Posteriormente, na Mishna quem “corneasse”outro homem é passivo de morte por estrangulamento (Sanhedrin 11.1); todavia, quem adulterasse com uma mulher noiva é punido tal qual quem praticasse incesto com a mãe: apedrejamento (Sanhedrin 7.4).

Prosseguindo, vemos que Mateus quer chamar atenção para a relação entre o nome de Jesus e o verbo ‘salvar’. O termo Yoshia, “ele salvará’, possui raiz semelhante a Yeshua, que é uma “masculinização” da expressão yeshu’ali, ‘salvação’ [ algum crítico teria que dizer também que o próprio nome de Jesus seria uma invenção, uma “profecia historicizada”].

Isso é mais um ponto que mostra como os cristãos buscavam ler os eventos na vida de Jesus à luz da Tanakh [o nome da Bíblia Hebraica] para, contextualizando-os, verem como ali se cumprira o plano de Deus, tendo o evento da obra de Jesus sido prefigurado nas Escrituras (confira especialmente Hebreus 10.1). Ali se cumpriam os desígnios divinos.

Vemos que o evangelho remete a concepção virginal de Jesus à passagem do livro de Isaías, capítulo 7. Há uma grande controvérsia neste ponto. A palavra hebraica que literalmente quer dizer “virgem” é b’tullah; o termo hebraico empregado em Isaías 7.14 é almah, que literamente é “jovem mulher”. O texto de Mateus usa como referência uma tradução grega, resultante de um trabalho coletivo por parte de escribas, de antes de 200 a.C. O termo empregado nela é o grego parthenos, cujo significado literal é “virgem”. Os escribas, para traduzirem assim, deviam se julgar concientes do ambiente semântico que circunda a palavra original, e não se tem indício de polêmica entre escribas envolvendo-o, e assim era usado normalmente no século I.

A Palavra almah é empregada como “donzela” em Gn.24.43 à Rebeca, sendo que em 24.16 se referia categoricamente a ela como b’tullah, ainda acrescentando que homem nenhum havia a “conhecido”. Em Êxodo 2.8, almah é empregada à Miriam, ainda uma criança, de menos de 10 anos, ou seja, uma virgem. Em Provérbios 30.19, aparece num contexto que fala do “caminho de um homem com uma virgem”. Em Cantares 6.8, aparece no plural alamoth, indicando virgens participando de um cântico festivo tocando instrumentos, uma imagem universal empregada em baladas épicas, reais, etc.

Também, o termo b’tullah apresenta flutuações semânticas; em Joel 1.8, fala-se de uma b’tullah pranteando um esposo de sua juventude (!!!).

O sinal – do hebraico ‘ot – na passagem de Isaías 7 ( Lucas retrata Maria como uma virgem perplexa com a notícia, sem fazer referência a essa passagem, em Lc. 1.34) seria destinada à “Casa de Davi”, a qual o profeta manda ouvir - no vs. 13-, referida no vs. 14 na segunda pessoa do plural: ~T,a. O primeiro plano da profecia era relacionado ao Ataque da Assíria a Judá, que veio a ocorrer no século VIII. Um juízo profético.

Seria este mais um elemento para influenciar as concepções dos primeiros cristãos de que seria Jesus, não mais Israel, o protagonista e o instrumento de Deus no plano redentor de consumar o Seu Reino e a renovação espiritual do povo compatível com o reinado. Jesus teria fundido na sua fé quanto a operação de Deus em sua missão, tanto apontamentos proféticos que apontavam para figuras individuais quanto para que sinalizavam uma participação corporativa de Israel [observar, por exemplo, que a figura do 'Servo do Senhor' - visceralmente associada à Jesus nos evangelhos - em Isaías 49.3 é uma representação coletiva de Israel ->Tu és meu servo, Israel, aquele por quem hei de ser glorificado; em 49.6, uma figura individual -> Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó, e tornares a trazer os preservados de Israel?]. Jesus levaria sobre si o encargo de Israel; assim, acabaria sendo a “pedra de tropeço” de muitos judeus.

Estranho nas passagens de Isaías 7 é que primeiramente relata-se que o filho de Isaías já havia nascido (vs.3). E na profecia, anuncia-se que a criança – ‘naar - ainda iria nascer; sendo que a mãe estaria grávida. O que reforçaria o entendimento, partilhado por muitos judeus do período histórico de Jesus e dos primeiros cristãos, que haveria sim um plano ulterior na profecia.

O nome immanu-El, em Isaías 8.10, é apresentado como significando “Deus está conosco”; num contexto versando em que por mais que as nações arquitetassem planos de subjugação, não havia de se temer, os planos delas seriam frustrados estando “Deus conosco”.

A profecia a que Mateus alude em 1.23 é de Isaías 8.10. Immanu El é apresentado com o significado "Deus está conosco", num contexto tratando que, por mais que as nações arquitetassem planos de subjugação, não havia de se temer, os planos delas seriam frustrados estando "Deus conosco".

Um ponto crucial para o plano maior do evangelho: José sendo incumbido de pôr o nome na criança, ainda que o nome 'Jesus' já tinha sido determinado. Assim, toca-se num ponto importante: a noção do Messias como sucessor e herdeiro do trono de Davi (Is. 9.7). Como a tradição judaica daquele período conciliava essa expectativa com o que já havia sido dito que nenhum "filho" do Rei Jeoaquim - também chamado Joaquim (II Reis 24.6) [descendente direto de Davi] jamais reinaria sobre Israel [Jeremias 22.30]? Poder-se-ia ter compreendido a vinculação pela adoção, por parte do evangelista. No documento judaico da Gemara, registro de tradições compilado no início do século III, atesta-se que o reconhecimento de um filho por parte do pai implicava a garantia do direito de herança ( Bara Batra, 134 a1). Em Mateus narra-se o episódio crucial que ilumina isso, na passagem de 1.21, em que o anjo incumbe a José de batizar a criança como 'Jesus'. Assim, lhe conferiria a filiação pessoal e dessa forma a filiação davídica.

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Traçaremos, de forma intercalada no Blog, diversas reflexões ainda, que passarão também sobre o cenário paralelo em Lucas, e o nascimento em Belém. Para que não se desvirtue a proposta do Blog, e não fique cansativo, deixaremos um espaço até então, para podermos ir “digerindo” o que foi escrito até aqui. E ínterim, vamos compartilhar muitos outros temas!


Shalom!!!

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