31 de outubro de 2009

Dia da Reforma Protestante

31 de outubro se comemora o Dia da Reforma Protestante. Vem à tona incontáveis debates, lugares-comuns e reflexões sempre vívidas. Imagino que a blogosfera pipocará de artigos, então eu pensei em como não deixar a data passar batido e ao mesmo tempo não ser redundante.

O teólogo e filósofo da religião Paul Tillich marcou minha vida com seu livro “A Coragem de Ser”, que vira e mexe nas labutas da vida volta à mente em momentos que tenho que peitar a luta das incongruências que vêm nos abater, enfrentando de peito as pelejas da existência. Há algumas observações sui generis focando o drama de Lutero no prisma existencial e psicológico, à luz da filosofia de enfrentamento e postura afirmativa e corajosa a despeito de tudo o que nos ameaça destruir, que o livro encoraja.

Vivemos em nosso contexto a ressaca do complexo de Prometeu. Queimamo-nos com o fogo que pensávamos ter roubado dos deuses, mas na verdade encontramo-lo queimando num pau seco num canto. E nossos “Prometeus” não nos tinham contado qual o interesse em nos dar tal fogo, e qual o preço.

Uma palavra hoje muito falada: depressão. “A Organização Mundial da Saúde definiu o transtorno depressivo, como a quarta maior causa de impacto entre todas as doenças no mundo” - DEMETRIO, FN. O impacto da Depressão na Saúde. Revista Racine, nº 81, ano XIV, julho/agosto, p. 10-30, 2004.

É a principal causa de incapacidades e a segunda causa de perda de anos de vida saudáveis entre as 107 doenças e problemas de saúde mais relevantes. Uma em cada quatro pessoas em todo o mundo sofre, sofreu ou vai sofrer de depressão”.

A entidade aponta “que, nos próximos 20 anos, a depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo. Em 2030, ela será sozinha a maior causa de perdas entre todos os problemas de saúde”.

Isso, afora o sentimento de “náusea” que Jean Paul Sartre caracterizava bem, um estado nublinado em nossa alma, algo que não é depressão em sentido clínico, mas nos assombra. E o que as igrejas têm oferecido diante desse contexto? Qual mensagem e como ela tem lidado com tal situação? De forma sofrível, tenebrosa, pelo menos . Desonestas e oportunistas, muitas simplesmente adotam a tática de tirar proveito, salpicando tudo quanto é tipo de problema pessoal pelos quais todos estão sujeitos a passar para criar um ambiente de pesada carga emocional, e que os próprios pregadores – leigos e ordenados – passam, dizendo que aqueles que se submeterem à sua rotina e particularidades estarão livres deles. Que ninguém passará por eles se obedecerem-nas. Vendem auto-ajudas minguadas cheias de frases-feitas ocas, chantagens emocionais... E umas outras, esnobam a situação, como se fossem auto-suficientes e esclarecidas demais para se preocupar com questões existenciais e com esse problema da depressão. Relegam as alternativas à indústria farmacêutica e agem como se o cristianismo não tivesse nada a ver com isso. “Paz, paz” quando não há paz.

Desta forma eu retomo as reflexões de Tillich no livro sobre Lutero, que penso que podem iluminarmo-nos e proporcionarmos explêndidos subsídios para podermos refletir na postura enquanto cristão de encarar esse “mal-estar na civilização” de frente, com honestidade, sem escapismo, sem falta de coragem, sem delegar responsabilidades, sem promessas simplistas e hipócritas, mas com algo substancial. É isso. Lutero, com seus erros, acertos, dúvidas e ambigüidades, com sua humanidade pecaminosa tocada pelo Senhor da Graça ao qual se apegou a mais do que a si mesmo, tem uma história multidimensional que fala a nós hoje no século XXI. Por Paul Johannes Oskar Tillich, em “A Coragem de Ser:

A coragem da confiança de Lutero é confiança pessoal, derivada de um encontro de pessoa-para-pessoa com Deus. Nem papas, nem concílios podiam dar-lhe esta confiança.
P. 123.
Por isto é que a coragem da confiança, tal expressa em homens como Lutero, enfatiza sem cessar a confiança exclusiva em Deus, e rejeita qualquer outra base para sua coragem de ser, não só como insuficiente, mas porque o conduz a mais culpa e a ansiedade mais profunda.
Pg. 126
Segundo o cristianismo, estamos extraviados de nosso ser essencial. Não somos livres para realizar nosso ser essencial, estamos sujeitos a contradizê-lo. Portanto, a morte pode ser aceita só através de um estado de confiança no qual a morte cessou de ser a “recompensa do pecado”. Isto, contudo, é o estado de ser aceito a despeito de ser inaceitável. Aqui está o ponto em que o mundo antigo foi transformado pelo cristianismo, e no qual a coragem de Lutero de enfrentar a morte estava plantada. O ser aceito na comunhão com Deus é o fundo desta coragem, não uma duvidosa teoria da imortalidade. O encontro com Deus, em Lutero, não é meramente a base para a coragem de tomar sobre si pecado e condenação, é também a base para tomar sobre si destino e morte. Pois encontrar Deus significa encontrar segurança transcendente e eternidade transcendente. Aquele que participa de Deus participa da eternidade. Porém, a fim de participar dele, você deve ser aceito por ele, e deve ter aceito sua aceitação de você. Lutero experimentou o que ele descreve como ataques do mais profundo desespero (Anfectung), a horripilante ameaça da completa insignificação. Para ele estes momentos eram ataques satânicos nos quais tudo estava ameaçado: sua fé cristã, a confiança em seu trabalho, a Reforma, o perdão dos pecados. Tudo entrava em colapso nos momentos extremos deste desespero, nada era deixado da coragem de ser. Lutero, nestes momentos, e nas descrições que fornece deles, antecipou a descrição feita pelo existencialismo moderno. Mas para ele isto não era a última palavra. A última palavra era o primeiro mandamento, a declaração de que Deus é Deus. Recordava-lhe o elemento incondicional na experiência humana, do qual pode-se estar certo, mesmo no abismo da insignificação. E esta certeza o salvou.
p.128-129.
Encararmos os "nossos demônios" de frente, sermos valentes, com ombridade e responsabilidade para tal; sermos honestos e humildes suficientes para admitir nossas tormentas, nossa fraqueza e medo, pois fazem parte da natureza ambivalente do mundo, não se suprimem artificialmente; e depositar nossa força não em nós mesmos, não em alguma "lei imanente das coisas", num karma ou resposta-pronta, mas na Graça, e nAquele que é a fonte da graça, cujo poder se aperfeiçoa na fraqueza. Pois dentre a grande riqueza do tesouro da tradição cristã, a contribuição do princípio protestante é essa: nenhum humano e nenhum constructo humano pode se interpor entre a consciência de alguém e Deus, pois é de Deus quem parte a busca.

Deixamos de brinde alguns pratos apimentados de Lutero...

Algumas de suas 95 teses que profetizam hoje:

28 – É certo que, quando uma moeda soa, cresce a ganância e a avareza; mas a intercessão da Igreja está unicamente na vontade de Deus.
43- Deve-se ensinar aos cristãos que dar aos pobres ou emprestar aos necessitados é melhor obra que comprar perdões.
45 – Deve-se ensinar aos cristãos que um homem, que vê um irmão em necessidade e passa ao seu lado para dar o seu dinheiro na compra dos perdões, merece não a indulgência do papa, mas a indignação de Deus.
46 – Deve-se ensinar aos cristãos que – a não ser que haja grande abundância de bens- são obrigados a guardar o que é necessário para seus próprios lares e de modo algum gastar seus bens na compra de perdões.
62- O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus.
65 – Assim os tesouros do Evangelho são redes com que, desde a antiguidade, se pescam homens de bens.
66 – Os tesouros das indulgências são redes com que agora se pescam os bens dos homens.
92 - Portanto, se retirem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “paz, paz” e não há paz.
Igreja reformada...sempre reformando?

Do Cativeiro Babilônico da Igreja:
(...)A confissão privada – a única praticada – embora não possa ser provada pela Escritura, é muito recomendável, útil e até mesmo necessária. Não quereria que ela cessasse, antes me alegro de que ela existe na Igreja de Cristo, pois é o único remédio para a consciência perturbada...a única coisa que me aborrece é o uso da confissão para favorecer o despotismo e as exações dos pontifícies.

Catecismo Breve:
Artigo Segundo: Sobre a Redenção
“Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, nascido da virgem Maria, é meu Senhor que me resgatou a mim, homem perdido e condenado, me ganhou e me livrou de todos os pecados, da morte e do poder do demônio, não com outro e prata, mas com seu santo e precioso sangue e com sua inocente paixão e morte, de modo que eu lhe posso oferecer e viver em seu reino, submisso ao seu poder, servi-lo em eterna justiça, inocência e bênção, do mesmo modo como ele ressuscitou dos mortos e vive e reina por toda a eternidade. Esta é uma verdade digna de fé."

E aqui estamos nós...


Soli Deu Glori.


2 comentários:

  1. Fala informador, tudo beleza?

    olha, vou repetir aqui, o que escrevi no blog do Eliel: é bom encontrar jovens pensantes por aí!

    Parabéns pelo conteúdo do blog. Vou passar sempre por aqui pra trocar ideias. Se quiser, dá uma passada lá na sala do pensamento para tomar um café e "jogar conversa pra dentro", pois só quem "joga conversa fora", é quem não tem nada significativo para dizer.

    abraços

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  2. Muito obrigado, Eduardo. Pode deixar que depois passamos lá. Abçs

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