29 de maio de 2009

Deus e Criação na perspectiva cristã


A Criação, no foco bíblico-cristão, é um ato especial de Deus: deve sua realidade à vontade de Deus; Deus opera seu poder especial na redenção pois antes o operou na criação.

Claus Westermann [1], mundialmente reconhecido pela sua coleção de comentários sobre Gênesis [do grego Γένεσις, Génesis, "Origens"; do hebraico בראשית, Bereshit, "No Princípio"] indagando-se sobre a linguagem bíblica da obra criadora de Deus, pergunta: “Qual o sentido de tudo isto no contexto geral da Bíblia?” e adianta a resposta: “Ora, se Deus é aquele que sempre age e em tudo opera, então também o é na obra criadora. O redentor deve ser idêntico com o criador”. No tópico “A palavra como mediadora da criação”: “ É a palavra singular, imperativo autêntico introduzido pelo ‘Deus disse’, seguido pelo outro imperativo ‘faça-se!’, seguindo a execução exata da ordem ‘e assim se fez’. (...)Todos os atos importantes são precedidos de ordem divina adequada: no princípio da libertação Deus ordena a Moisés comparecer na presença do faraó; na teofania sinaítica Deus manda armar a tenda da reunião; no final da jornada pelo deserto Deus determina a passagem pelo Jordão e a entrada na terra prometida.”

Então, a perspectiva bíblica da Criação revela que o valor da desta deriva de ser fruto da ação especial e aprovadora de Deus, ou “Deus viu que era bom”. Ela não é uma ilusão, nem é má, nem possui um caráter sagrado independente de Deus, não é divina, não é Deus. É criatura. De Deus ela foi dotada de beleza, pois o adjetivo hebraico tob - bom, notável - também tem conotação de belo – “e Deus viu que era belo”. As duas coisas estão associadas, sendo importante notar que, diferentemente dos gregos que expressavam o apreço pelo belo em especial na escultura, os hebreus o expressavam especialmente na poesia.

Claus Westermann destaca também que os “seis dias” do relato de Gênesis inauguram-se pela distinção entre “luz e trevas”, expirando com a distinção do sábado em relação aos demais, como o dia consagrado a Deus, aparecendo assim como a meta da história de Israel e posteriormente da humanidade, apontando ao culto divino. Assim, a história tem uma meta.

Refletindo sobre Gênesis 2,4-9, o teólogo anglicano e físico John Polkinghorne [2] expõe, num diálogo mediado pela sua formação científica, que A continuidade da humanidade com a natureza está sendo afirmada de uma forma clara e notável. Isto é metade da história. A outra metade é que 'Deus insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo'. (...) A criação não é algo que Deus fez, de uma vez por todas, muito tempo atrás. É algo que Ele vem fazendo o tempo todo e que continua a fazer hoje. Quando se para para pensar nisso, este é o modo como seria de se esperar que o Deus de amor agisse. Ele não iria simplesmente estalar os dedos em um tipo de mágica e forçar as coisas a acontecer. O Deus de amor é paciente e sutil e permite que a criação faça a si mesma.

Com isso, podemos enxergar que “cataclismas naturais”, como furacões, terremotos, vulcões, tsunâmis, etc., são manifestações dessa qualidade relativamente autônoma da criação, o modo dela se auto-regular e manter-se. É o preço de uma natureza que propicie haver uma liberdade, inovação, espontaneidade. E assim, de haver a oportunidade para agentes morais como nós virem à tona. Contudo, e dessa forma, por si só, a criação está sujeita também à deterioração.

A criação então é parte do projeto integral de Deus de redenção, consumada na Nova Criação . Isso é ilustrado claramente na epístola de Paulo aos Romanos, capítulo 8, versículos 19 a 23:
Pois a criação espera com impaciência a revelação dos Filhos de Deus: entregue ao poder do nada – não por vontade própria, mas por autoridade daquele que lha entregou – ela guarda a esperança, pois também ela será libertada da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus. – Bíblia de Tradução Ecumênica (TEB).

N.T.Wright [2], bispo anglicano de Durham, e reconhecido como dos maiores especialistas em Novo Testamento, costuma expor sistematicamente que o propósito da Aliança de Deus é contemplar toda a criação; expõe no livro “Simplesmente Cristão”: "Nós somos chamados para ser parte da nova criação de Deus, chamados para ser agentes desta nova criação aqui e agora.”

Em Apocalipse 11.18, há um elemento que passa batido nas reflexões cristãs: dentre os pecados postos sob juízo e que serão julgados, está a destruição da criação:
As nações encolerizaram-se, mas foi tua cólera que chegou. É o tempo do julgamento dos mortos, tempo da recompensa para teus servos, os profetas, os santos e os que temem o teu nome, pequenos e grandes, tempo da destruição para os que destroem a terra. –T.E.B.

Outro teólogo anglicano, Alister McGrath [3], que também é PhD em biofísica por Oxford, expõe o ensino de um outro teólogo, Calvin B. DeWitt, que se destaca em estudar e expor as percepções ecológicas na Bíblia, apresentando quatro princípios fundamentais nesta:

1 – O ‘princípio da manutenção da terra’: assim como o criador mantém e sustenta a humanidade, a humanidade deve, da mesma forma, manter e cuidar da criação do criador.
2 – O ‘princípio do sábado’: deve-se permitir que a criação se recupere do uso que o ser humano faz dos seus recursos.
3 – O ‘princípio da fertilidade’: a fecundidade da criação deve ser desfrutada e não destruída.
4 – O ‘princípio da satisfação e da limitação’: a humanidade deve reconhecer seus limites em relação ao sistema da criação, com fronteiras definidas e que devem ser respeitadas.

De fato, a doutrina da Criação implica que o ser humano não é dono da Terra, pois Deus o é; uma das melhores metáforas correspondentes ao nosso papel seria o de jardineiros.

O teólogo Mario Antonio Sanches [4] expõe em “Bioética, Ciência e Transcedência”, sobre as novas perspectivas de estudo da Bíblia sobre a relação do ser humano com a criação : “Tem-se por exemplo, valorizado muito a perspectiva de que somos administradores da criação ou procuradores de Deus – aí o compromisso de zelar pela criação transparece como fundamental”. De fato, se fôssemos somente uma coisa a mais no meio de outras coisas no mundo, fruto apenas da casualidade, não teríamos nenhuma responsabilidade pessoal especial, tendo nossas relações com a natureza apenas o caráter utilitário.

Referências:

[1] Westermann, Clauss. “Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento”. Ed.Academia Cristã. 2005.

[2] Polkinghorne, John. “Um Cientista Lê a Bíblia.” Loyola.1998.

[3] Wright, N.T. “Simplesmente Cristão”. Ed. Ultimato. 2008.

[3] McGrath, Alister. “Fundamento do Diálogo entre Ciência e Religião”. Loyola. 2005.

[4] Sanchez, Marco Antônio. “Bioética: ciência e transcendência”. Loyola. 2004.

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