23 de agosto de 2009

O Caminho Cristão: o Amor Universal de Deus

(...) era para que eles procurassem a Deus; talvez o pudessem descobrir às apalpadelas, a Ele que, na realidade, não está longe de cada um de nós. Pois nEle é que nós temos a vida, o movimento e o ser(...)
Apóstolo Paulo, no discurso no Aerópago em Atenas. Atos 17.27-28.

“A realidade ilimitada, e que não podemos circunscrever, da divindade, permanece além de toda apreensão. [...] Assim, o grande Davi, dispondo das ascensões em seu coração, e avançando, ‘com vagar sempre crescente’ (SL 83.6-8) clamava no entanto a Deus: ‘Tu, o Altíssimo, tu estás na eternidade’ (Sl. 91.9).”
(Gregório de Nissa. 8ª Homilia sobre o Cântico dos Cânticos. PG. 44,940)

A Palavra de Deus se manifesta além dos signos lingüísticos, além de todos os instrumentos da linguagem humana, conquanto que para um cristão, sua manifestação central e mais explícita seja através da obra redentora factual de Jesus Cristo. Ele pode estar negado ou afirmado, com discursos de linguagem externamente cristã, e negado ou afirmado em discursos de linguagem externamente não cristã. O profeta Isaías uma vez proferiu esta impactante admoestação :

O Senhor diz: este povo só se aproxima de mim com palavras, só os seus lábios me rendem glória, mas o seu coração está longe de mim”. Isaías 29.13

A questão está na essência dos discursos, no "implícito". Muita gente pode estar orquestrando um discurso externamente cristão, mas no fundo estar negando Cristo. E vice-versa. Da mesma forma que se pode engendrar discursos de amor para afirmar o ódio, de verdade para fazer dissimulação, de liberdade para pregar dependência/opressão, pode-se fazer discursos evocando Jesus, negando-O. Os discursos seriam racionalizações ou artifícios retórico-semânticos, alguém manipulando os significados das palavras. Também, pode-se afirmar o amor falando de outro assunto, assim com a verdade, com a liberdade, e de Cristo falando de outras coisas que não Ele. A pergunta é: o que está subjacente ao discurso 'X'? Assim, a questão é se o norte do discurso, ante a multiplicidade e a passagem de elementos que se configura nele, o fio que o transpassa, e que permanece, aponta para o norte da essência de Jesus, ou é contraditório com ela?

Jesus falou acerca do Dia do Juízo:

Então o rei lhes responderá: ‘Em verdade, em verdade eu vos declaro, todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes'."
Mateus 25.40.


A vida parece suficientemente clara enquanto é rotina, ou seja, enquanto as pessoas permanecem dóceis, lêem os textos de maneira convencional e não são provocadas de maneira radical. A clareza se dissolve e aparecem idéias, percepções e sentimentos estranhos, apenas a rotina se despedaça.
Paul Feyerabend, em “Diálogos sobre o Conhecimento”.


Cada vez que projetamos muito de nós, consciente ou inconscientemente, e transformamos isso em deus, forjamos ídolos. Quantas vezes não vimos isso em igrejas? Quantas vezes não ouvimos gente cantando, orando, conversando, e eu próprio incluído, projetando suas angústias, medos, ódios até, em forma de deus? O mais notório disso é quando vemos cânticos referentes a guerras de Israel, ou de Davi, etc., em que o povo imagina Deus lutando contra quem os está chateando. Ou a gente invocando Deus para intimidar pessoas de acordo com nossos desejos. Ou justificando nossas indissiocrasias, manias... São discursos sobre Deus, ou invocando Deus, etc., em que, apesar de usar signos e significantes cristãos, Deus está ausente.

Para termos contato relacional com Deus mesmo, somente com um encontro, e este encontro parte dEle mesmo. Não chegamos a Ele por via nenhuma a partir de nós, somente pela Graça. E recebemos a Graça somente em postura de abandono, de entrega e apelo.

De acordo com o caráter do relacionamento de cada situação particular é que se caracteriza como Deus está se relacionando ali. Então, da mesma forma que nos exemplos acima, o grande "Eu Sou" não está presente num discurso de signo cristão, ele pode estar presente num discurso sem nenhum signo cristão explícito.

Na tradição cristã, isso pode ser expresso no mistério referido “Dieux Absconditus” – Deus em sua natureza inacessível- e por outro lado, também no da “ubiquidade” – presença sem fronteiras - de Cristo, do "logos spermatikos" – palavra geradora- que dissemina sua verdade ainda que velada ao mundo, e no Espírito Santo - O Vento que sopra aonde quer! Não que seja através da Sua presença “imanente-ontológica”, ou seja, presente na essência de tudo quanto existe na natureza, mas através de Sua vontade afirmativa que está de acordo com o que Lhe é inerente à Sua Essência, Justiça, Bondade, Misericórdia, Graça, Integridade.

A mensagem da evangelização cristã tem como ponto central que os pecados estão pagos, e o projeto de Deus para uma Nova Criação e seu Reinado de Justiça e Amor fora inaugurado na obra de Jesus, confirmado pela sua ressurreição, e se consumará; o Altíssimo chama a um caminho, que é onde pode se experimentar o Espírito já aqui, onde se mostra o contraste do que nos aguarda com o que temos de enfrentar aqui, e a força moral pra direcionar a Fé. O valor ulterior da evangelização está no amor que provém de Deus. O amor que está na Sua essência por toda a eternidade. E o anúncio da consumação de tudo em amor, com o chamado para os valores do Reinado de Deus que foi prometido por meio de Jesus Cristo. Que um dia, haverá a separação total entre a esfera absoluta da Graça, e uma esfera à parte da Graça.

Eu nada sei senão o que todos sabem – que, quando baila a Graça, eu devo dançar.
W.H.Auden. Pentecostes em Kirchestetten

“Quanto a nós, conhecemos, por termos acreditado nele, o amor que Deus manifesta entre nós. Deus é amor: quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele”.
I João 4.16

Houvera um sábio, na Igreja medieval, chamado Pedro Abelardo. Muito, muito, muito mal compreendido e interpretado. Ele unia uma imponente capacidade intelectual, com simplicidade e piedade avassaladora. Um gigante da Fé.

Abelardo ensinava que a obra da Salvação provinha do Amor de Deus, uma forma de que pelo Amor Eterno os humanos pudessem ser salvos, e assim partilhassem mesmo deste seu Amor. Cristo não foi mártir ou peça qualquer de um jogo cósmico, mas se doou pelo amor, não que nós suscitássemo-lo, mas porque Ele é Amor. Ocasionalmente lemos que Abelardo pregara que a entrega de Jesus na cruz seria era só um exemplo pra suscitar o amor em nós, mas isso é apenas parte de seu ensinamento; senão ele não iria se referir explicitamente a termos como “Justificação”, “Reconciliação pelo Sangue”... Mais além, Abelardo versava que Cristo é o exemplo de Amor ao qual o Eterno pode nos unir ao Amor Eterno dEle, e daí despertá-lo em nossos corações, vencendo todas as forças do desamor.

Agora nos parece que temos sido justificados pelo sangue de Cristo e reconciliados com Deus deste modo: através deste ato único de graça manifestada a nós – visto que seu Filho tomou para si mesmo nossa natureza e perseverou nesse particular em nos ensinar por palavras e exemplo mesmo até a morte – ele tem mais plenamente nos ligado a ele mesmo por amor.
Exposição de Romanos
(3.19-26). Apêndice

A implicação que apreende-se existencialmente disso é que não se é Cristão porque imagina-se que o Cristianismo dá todas as respostas, ou é um sistema fechado destinado a uma explicação exaustiva do mundo. Mas porque é, como era chamado no início, o Caminho - Atos 16.17; 18.25-26; 19.9,23. Dá-nos respostas enquanto possam ser o pavimento da estrada pela qual caminhamos em direção ao Significado. Como o Apóstolo Pedro exclamou: “Senhor, para quem iremos? Tu tens palavras da vida eterna. Quanto a nós, cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. João 6:66-69.

Para refletir:
Ao manter a beleza, preparamos o dia do renascimento em que a civilização colocará no centro de sua reflexão, longe dos princípios formais e dos valores degradados da história, essa virtude viva que fundamenta a dignidade comum do mundo e do homem, e que agora devemos definir diante de um mundo que a insulta”.
Albert Camus, em “O Homem Revoltado”, Pg.317

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