28 de março de 2010

Meditação para Domingo de Ramos

A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos.” citado em Mateus 21:42.

Na imagem de apresentação de nosso blog, temos se destacando no horizonte uma cruz celta.

A cruz celta possui em sua raiz na associação com a divindade Lug; o anel representa a "Totalidade", também os ciclos de sustentação da natureza, e também ao sol; a cruz remete aos quatro elementos ( água, fogo, ar, terra) e os quatro sentidos (leste, oeste, norte sul). Com o cristianismo, passou a simbolizar a abrangência de toda a criação tomando parte na vitória de Cristo na Cruz.

Temos um exemplo emblemático de uma das várias e multifacetadas inculturações promovidas de forma rica ao longo da história da evangelização e desenvolvimento da tradição cristã.

Esses processos costumam ser duramente criticados e atacados tanto por alguns cristãos quanto por céticos. Os primeiros dizem que é uma contaminação, deturpação da fé e uma capitulação. Os segundos que isso indica que a religião é falsa e se apropria de outras para mascarar sua falsidade e construir suas narrativas.

São duas críticas que demonstram uma enorme estreiteza de visão e falta de conhecimento de princípios básicos da antropologia. Tomemos o exemplo concreto, o caso da cruz celta, para apontar o quanto o processo de inculturação é legítimo, pois não deturpa a fé e nem se dá sobre bases arbitrárias, mas se enraíza em crenças já estabelecidas antes na comunidade de fé cristã. O simbolismo desta cruz é ambientado e enraizado em doutrinas fundantes do cristianismo?

O Templo ocupava um lugar primordial na fé do judaísmo contemporâneo dos tempos de Jesus. Lá se eram comemoradas festas que remontavam às crenças fundamentais do judaísmo e da identidade do povo judeu. Inclusive a Judéia poderia ser considerada uma cidade-estado do Templo. Lá havia a aristocracia religiosa, de onde procediam regimentos da vida pública. Lá eram realizados diariamente cultos e sacrifícios, e suas cerimônias principais eram concorridas e para as quais afluíam um imenso número de peregrinos dentre judeus da diáspora e gentios conversos.

Um elemento poderosamente significativo para ilustrar a elevadíssima imagem de Jesus na fé cristã nascente é a associação da obra e da própria pessoa de Jesus, com os ofícios e com o próprio Templo, identificando em Jesus o papel que cabia ao Templo. Isso transparece na primeira carta de Paulo aos Coríntios, na literatura joanina e no livro de Hebreus, principalmente. Hoje, a imagem mais lembrada e retomada é a do sacrifício. No Templo, ocorriam os sacrifícios de ação de graças a Deus e sendo veículo da concessão graciosa de Deus do perdão dos pecados para aqueles que viviam em fé confiante na Torá. Os cristãos enxergaram em Jesus o Templo definitivo, a morada plena de Deus entre os homens, e na sua obra, viam o veículo para a concessão graciosa de Deus do perdão dos pecados para aqueles que viviam em fé confiante em Jesus Cristo. Importante assinalar que era uma relação comunitária; muitas vezes no cristianismo, e sobretudo hoje especialmente nos segmentos evangelicais, se acentua a dimensão da “salvação individual”, em dissemelhança com o significado dela naquele tempo.

Mas há outra igualmente atribuição e importância do ofício do Templo no judaísmo daquele período. Algo que compartilhava em um núcleo comum com diversas visões religiosas da história (com a importantíssima dissemelhança de se remeter ao Deus único). O ofício do Templo expressava o ambiente e esfera de ligação da vida e do mundo com a ordem última das coisas, na esfera dos Céus. Assim, a ordem e a obediência aos preceitos, no ofício do Templo, influenciava a estabilidade cósmica e os processos de renovação da vida; a agregação pessoal, social e natural. A conservação e o destino cósmico e social estava ligado ao culto correto no Templo, que remetia às realidades fundamentais da realidade.

E tal função, fora também remetida à obra e pessoa de Jesus, igualmente? Sem dúvida é algo que passa despercebido hoje. Mas sim, havia esse acento, igualmente importante à dimensão expiatória, enfatizando o destino da criação ligado à obra e pessoa de Cristo.

Tomemos Hebreus -
1.3: “Este Filho é o esplendor de sua glória e a expressão de seu ser, e sustenta o universo inteiro pelo poder da sua palavra”.
9.23: “Se, pois, as imagens do que está nos céus são purificadas mediante estes ritos, é mister que as próprias realidades celestes o sejam por sacrifícios bem melhores”.

Colossenses -
1.19 “Pois aprouve a Deus fazer habitar nele [Cristo] toda a plenitude e tudo reconciliar por meio dele e para ele, na terra e nos céus(...)”
2.9 “Pois neste [Cristo] habita corporalmente toda a plenitude da divindade(...)”

II Coríntios 5.19 "Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação".

Não vemos aí o que o simbolismo da Cruz Celta passa a retratar no cristianismo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário