II Samuel 2,17-27
Salmo 24
Mateus 25, 14-30
Romanos 12, 9-21
Para poder acompanhar a reflexão com vividez, pedimos que façam uma leitura prévia destas passagens que, para não alongar demais, evitamos reproduzi-las aqui.
É fascinante podermos viajar no patrimônio cultural comum
entre a humanidade, ou mais, quando podemos viajar nas atitudes coletivas
comuns na humanidade para com elementos e pulsões internas, para com o transcendente,
no que compartilhamos quanto ao que ultrapassam o tempo ainda que varie de
forma e em diversos aspectos.

Assim podemos também nos aproximar melhor da angústia que o
canto fúnebre ante a morte do rei Saul carrega. Ali não era apenas a morte do
rei. Era uma profunda adaga cravada no orgulho nacional e no sentimento
agregador, na expressão de ser do povo. O símbolo do seu projeto de nação. O
rei, seu descendente imediato, os maiores guerreiros.... e quê adiantava isto
agora? O que eles, realmente foram e apresentaram por si mesmos? O filho do rei
morto em combate, o rei ante à iminente captura, se atira numa espada após
ordenar ao servo que o matasse e este lhe desobedecesse.
Não devemos estranhar demais o quanto a Bíblia está
entremeada de noções e lida tão naturalmente com guerras. Guerras e guerras.
Era a realidade crua do povo que ali é retratado. Israel era um país pequeno
cercado de nações, numa rota estratégica para, principalmente, passagens de exércitos de impérios em guerras
uns com os outros. Seria algo completa e dissimuladamente antinatural e
dissimulado, plenamente falso, se ali não contivesse a guerra no imaginário e
linguagem normal dos escritos. Podemos ter uma noção ao pensarmos nas letras de
rappers, carregadas de violência ou agressividade que advém da realidade que
eles nos jogam na cara, que seria desonesto se não falasse delas.
"Não publiqueis em
Gat, não o anuncieis nas ruas de Ascalon, que não se alegrem as filhas dos
filisteus, que não exultem as filhas dos incircuncisos." Temiam que se
juntasse o escárnio para levar a profundezas ainda mais lúgubres seu augúrio e
humilhação.
“Pereceu o esplendor de Israel nas tuas alturas! (...)
Tombaram heróis em pleno combate!”
E quais os frutos das decisões existenciais que eles
tomaram? Daquilo que fizeram com suas oportunidades e responsabilidades?

Podemos então compreender que os “Talentos” significavam os
recursos – incluindo, mas ultrapassando os dons - oportunidades e
responsabilidades na vida. Cada pessoa possui os seus. Cada um tem sua vivência, e a mescla da
interação entre seus genes, corpo, mente, ambiente, experiências. Nenhum vive a
pessoa do outro. Ninguém responderá pelas escolhas do outro, mas pelas escolhas
que teve quanto ao que fazer com o produto destas interações.
Lembro-me do filme “O Resgate do Soldado Ryan”. Uma viúva
sozinha recebe uma carta comunicando as mortes dos filhos na Segunda Guerra
Mundial, lhe restando mais um que está no front de batalha. O exército decide
empreender um resgate dele para diminuir o sofrimento da mulher. E uma equipe
consegue lhe achar. Ele a princípio fica incrédulo, depois se recusa a ir,
argumentando que é um soldado como qualquer outro e não merece tratamento
especial. Por fim, após fortes combates, ele consente em ir e escapa, tendo
vários companheiros e membros da equipe sido mortos. Seu superior lhe fala: “faça
valer a pena”.
Assim também na parábola. Um servo usou de pretexto leviano.
Se ele tinha tal conceito do senhor, então aí que era para ele se motivar mais
ainda a não deixar o dinheiro se desvalorizar e buscar fazê-lo render,
imaginando que seria cobrado. Foi negligente e irresponsável.
Na vida, muitas pessoas não terão nunca oportunidade, nem um
senso de chamado, para empreenderem atos famosos que consagrarão grande
destaque. A maioria é encarregada de lidar com suas oportunidades e deveres
diários e imediatos. Nem por isso sua missão é menor.
É com essa vivência diária que está o grande empreendimento
e a grande responsabilidade. Algumas pessoas poderão se deparar com um grande
encargo especial que lhe suscita abrir mão do que lhe está diante na vida. Isto
é com ela. É consigo. Cada um com seu encargo.

Jesus estava dando um basta e movendo as pessoas a uma
lógica oposta a da replicação da opressão. Visava matar o círculo vicioso de
fome, ao invés de prosseguir alimentando-o, em atos ou na disposição interior.
E com atos e com disposição interior renovada, conclamava as pessoas a
iniciarem um ciclo vicioso de acolhimento, proteção mútua, de um projeto de vida
chamado Reinado de Deus. E limpava-lhes a existência para usufruir da própria
oportunidade de viver. Não um viver descompromissado, mas compromissado, em que
assim a pessoa, sem buscar viver apenas para si mesma, encontrar-se à a si
mesma.
Continua....
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