24 de maio de 2011

Entre raposas e aves

Indo eles caminho afora,
alguém lhes disse:
“Seguir-te-ei
para onde quer que fores.”
Mas Jesus lhe respondeu:
“As raposas têm seus covis,
E as aves do céu, ninhos;
Mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” 
Lucas 9, 57-58

Parece que podemos ver um certo padrão em Jesus, ao ser abordado, muitas vezes se parece meio que “arisco”, ou pronto para desarmar a pessoa que o abordou. Ainda que no decorrer do trato com a pessoa, sua postura mude completamente. Podemos ver isso com o Jovem Rico, com a mulher siro-fenícia, e agora aqui com o voluntário impetuoso.

Tal passagem costuma ser enquadrada numa seção com o título “O preço do discipulado”. Poderemos ver que tal enunciado capta em parte o que se passa e o dizer de Jesus.

À primeira vista, realmente Jesus está colocando para a pessoa que o seu caminho passa por privações, e não pompa; requer abdicação, requer aceitar estar com um estilo de vida em que se abnegou de muita coisa para seguir o caminho. Até mesmo em relação à provisão que é feita para os seres da natureza, seu caminho exigiria aceitar privações.

De fato, o autor do evangelho já nos tinha trago antes um quadro em que apresenta que “é necessário que o Filho do Homem sofra”. Lc. 9,22.

Tal apelo encontraria, anos mais tarde, certo eco no testemunho de Paulo para os Filipenses: “Falo assim não por causa das privações, pois aprendi a adaptar-me às necessidades; sei viver modestamente, e sei também como haver-me na abundância; estou acostumado com toda e qualquer situação: viver saciado e passar fome; ter abundância e sofrer necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece.” Carta aos Filipenses, 4.11-13.

Mas há algo mais, que superficialmente, passa despercebido para nós.

Lucas 13, 31-32: “na mesma hora, aproximaram-se alguns fariseus que lhe disseram: ‘Parte e vai-te daqui, porque Herodes quer te matar’. Ele respondeu ‘Ide dizer a essa raposa: “Eis que eu expulso demônios e realizo curas hoje e amanhã e no terceiro dia terei consumado!

Em Ezequiel, no capítulo 13, o profeta profere imprecações contra os falsos profetas de Israel que são considerados ardilosos, que iludem e manipulam: “Assim diz o Senhor Yahweh: ‘Ai dos profetas insensatos, que andam segundo o seu próprio espírito e nada vêem. Os teus profetas, ó Israel, são como raposas no meio de ruínas.” VS 3-4.

Costumava-se associar as nações gentias em torno de Israel com “as aves do céu”. Observem na parábola do Reino de Deus e o grão de mostarda, em Mateus 13, 31-32. Claramente há ali representações simbólicas. E evoca as expectativas proféticas das nações gentias vindo adorar e comungar no Novo Israel restaurado.

Podemos ver uma aplicação impactante neste interpelar de Jesus ao voluntário impetuoso então. Se as expectativas messiânicas dele fosse de um “filho de Davi”, glorioso, buscando poder e pompa, com toda a mesma lógica dos poderosos do mundo, era a companhia deles que a pessoa deveria buscar. A lógica do caminho de Jesus é oposta à lógica dos poderosos, à lógica do poder mundial.

Para subverter os poderosos e sua dominação e exploração, não basta assumir a racionalidade deles e tomar o poder deles; é necessário subverter essa racionalidade, para deslegitimá-la e apontar um novo caminho para os oprimidos.

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