28 de abril de 2010

Qual dos dois senhores?

Este ano, o mote da Campanha da Fraternidade Ecumênica [cujo o tema é "Economia e Vida"] é “Você não pode servir a Deus e ao Dinheiro”. Realmente impactante, visto à dissimilaridade com o rosto mais eloqüente e mordaz com que a religião cristã se tem apresentado e tido mais visibilidade no Brasil. Bate de frente com a lógica da “pequenas [ e grandes] igrejas, grandes negócios”. Pois o que pega hoje é um cristianismo descristianizado, em que se vende Mamón, a Ganância, usando o nome de Jesus, e se brinca com os sofrimentos das pessoas propondo soluções rápidas e mágicas para promover estelionato com o suado dinheiro delas.

Por outro lado, não temos somente “crédulos ingênuos”, mas pessoas buscando apaziguar a consciência dos seus valores éticos buscando o peso da religião para sua ganância e moral individualista, buscando comodismo e legitimar suas posturas de anomia social, comprometidas com as injustiças. E isto é exatamente o oposto do espírito do ministério de Jesus e do cristianismo nascente.

A referência é a Mateus 6.76. Mas considero que é o evangelista Lucas que insere uma parte considerável do seu evangelho, em um quadro referencial que trata da questão da ganância e do culto ao dinheiro, da instrumentalização de Deus e da religião pelo dinheiro. Na seção do capítulo 12, que versa sobre o que implica segui-lo, o tema é tratado com referência em diversas tradições dos ensinamentos de Jesus. Fala abertamente a se ter cuidado de toda ganância; conta a parábola do rico insensato; sobre o sentido de viver, de ser, tendo na visão a frugalidade e simplicidade no coração; sobre o tesouro incorruptível; ainda num quadro amplo de Lucas, tratando do seguir a Jesus, mais à frente no capítulo 16 ele fala sobre o valor que o dinheiro falso deste mundo, as riquezas da iniqüidade (que por detrás da qual reside muita desgraça na história para ela chegar até aqui) pode possuir é para investir nas pessoas; conta a parábola do rico e Lázaro.


No capítulo 18, o perturbador encontro com o jovem rico. Ele, Jesus, é retratado no diálogo com um jovem rico de outra maneira escandalosa para seu tempo. Não havia na riqueza do jovem nada tradicionalmente condenável, como esbanjamento, opulência, fruto de opressão, roubo, etc.; muito pelo contrário, era algo que a literatura sapiencial ressaltava como fruto da vida virtuosa sobre observância da lei, e os evangelistas ressaltam isso destacando que tal se dera 'desde a juventude'. E no relato Jesus o confrontara o chamando a abrir mão de tudo, num quadro em que é nitidamente destacado que segui-lo incondicionalmente é mais essencial para entrar no Reino do que a Torá, que pela fé era o caminho da salvação.

Não é pra se enganar: a agulha não era uma “porta”, como alguns tentam de maneira meio que ridícula ensinar, falando sobre um camelo se ajoelhando tentando passar sob ela com bens sobre as corcovas. Realmente Jesus ensinara que, se acreditando que a riqueza era um sinal de ser abençoado e assim aceito por Deus, se está numa lógica oposta: antes, “é mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha”, ou seja, “é impossível para o homem”; somente Deus pode operar a transformação na vida, tal qual operou em Zaqueu (que uma música extremamente melosa menciona, sem se referir, obviamente, ao que se sucedeu depois que a atenção de Jesus foi chamada para ele e qual foi a atitude tomada por Zaqueu; será porque se omite isso, hein?).

Como um dos grandes Pais da Igreja, João Crisóstomo, já advertia:
Não é absurdo pores tanto cuidado nas coisas do corpo, a ponto de já desde muitos dias antes da festa preparares uma roupa belíssima, e te adornares e embelezares de todas as maneiras possíveis, e, no entanto, não tomares nenhum cuidado com a tua alma, abandonada, suja, esquálida, consumida de fome...?

E também, Santo Ambrósio:
Não é, aliás, de teus bens que distribuis ao pobre; é do seu que lhe dás. Porque tu és usurpador daquilo que é dado a todos para uso de todos. A terra pertence a todos, não só aos ricos; mas aqueles que não usam essa suapropriedade são mais numerosos do que os que a usam. Assim, em vez de liberalidades gratuítas, tu pagas a tua dívida.

São Basílio Magno:
Pertence aquele que tem fome o pão que tu guardas; àquele que está nu, a capa que tu conservas nos teus guarda-vestidos; àquele que está descalço, os sapatos que apodrecem em tua casa; ao pobre o dinheiro que tu tens guardado. Assim tu cometes tantas injustiças quantas as pessoas às quais poderias dar.

São Jerônimo:
Com razão é que o Evangelho chama os bens da Terra de ‘riquezas injustas’, pois que não têm outras fontes senão a injustiça dos homens, não podendo pertencer a uns, senão diante da ruína de outros. A opulência é sempre o produto do roubo; se não foi cometido pelo atual proprietário, o foi por seus antepassados.

Eu gostaria de deixar com todos uma recomendação especial, de uma obra traduzida para o português que trata da questão da riqueza e pobreza pela análise técnica da Bíblia de maneira sóbria, ponderada, mas também contumaz, de um grande biblista do Novo Testamento, Craig Blomberg - Nem Riqueza, Nem PobrezaO principio de moderação explica as preocupações de Jesus e Paulo por uma vida simples, particularmente quando envolvidos no ministério, para não dar brecha desnecessária à má reputação do Evangelho. Pg. 245


Sem dúvida, é para ser divulgada, compartilhada e discutida em círculos de leitura, escolas bíblicas, retiros, entre amigos, e refletidas nas caminhadas à solidão.

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