4 de fevereiro de 2011

Um vislumbre do chamado de Natanael

É fascinante como a riqueza de significados das narrativas bíblicas se apresenta de forma mais ampla quando temos a oportunidade de mergulhar no pano de fundo das imagens na própria Bíblia e do contexto contemporâneo ao escrito.

Já falamos a respeito algumas vezes no “Cristianismo, meramente”. Podemos visitar uma outra passagem cujos significados são pouco explorados e muitas vezes é atrofiada apenas pela idéia de alguns cristãos de querer ressaltar “o sobrenatural” em detrimento das idéias humanamente construídas, forçando a dicotomia.

Em João 1. 46-51, o chamado do discípulo Natanael, que possivelmente é o Bartolomeu nas listas dos Doze nos evangelhos sinópticos. Natanael se admira com a possibilidade de que alguém sumamente importante para o destino da nação, juntamente com os eventos que se relacionariam, adviesse de um pequeno povoado de menos de 2000 habitantes sem nenhuma importância histórica, Nazaré. Mas o contexto ressalta que ele nutria uma grande expectativa pela vinda da redenção de Israel. Na Galiléia, explodiam as tradições das expectativas populares por novos profetas que anunciariam a libertação do povo do jugo dos tiranos ímpios e opressores, sendo muito exaltada a figura de Elias, enquanto na Judéia era mais Davi.

Jesus, galileu, ressalta a fé e integridade de outro galileu, como “verdadeiro israelita”. Ele faz um jogo de palavras com o patriarca de Israel – Jacó, que significa “enganador”, e aparece em Gênesis como alguém dissimulado – confira Gn. 27.35 e 31.26.

Então Natanael indaga como Jesus poderia o conhecer. E Jesus, já lidando com as expectativas messiânicas de Natanael que o cenário da narrativa mostra, vai ao fundo as esperanças e anseios do mesmo. Normalmente ao se comentar sobre a fala de Jesus, costuma-se priorizar uma interpretação de “advinhação”. Mas a figueira é um símbolo marcante para a piedade daquelas pessoas. Sob a sombra da figueira mestres ensinavam a seus discípulos, e também era um local considerado especial para a meditação e oração.

Também a tradição bíblica utiliza-se da figueira para formar a imagem dos tempos da redenção, de liberdade e descanso, em que cada israelita se sentaria em paz sob uma figueira.

Judá e Israel habitavam confiados, cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira, desde Dã até Berseba, todos os dias de Salomão.                                                                     I Reis 4.25

Cada qual se sentará debaixo de sua vinha e debaixo de sua figueira, e ninguém o inquietará, porque a boca do Senhor dos Exércitos falou!                                                              Miquéias 4.4

Podia ficar cada um sentado debaixo de sua figueira, e não havia quem medo lhes causasse.       I Macabeus 14.12

Naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, cada um de vós convidará ao seu próximo para debaixo da vide e para debaixo da figueira.                                                                            Zc. 3.10

Jesus prossegue evocando em Natanael a recordação da tradição sobre a escada de Jacó. Os anjos subindo e descendo apresentaram a Jacó a providência de Deus atuando na Terra, e foi a ocasião da promessa de Deus de estar com ele e cumprir através dele as promessas aos seus ancestrais. O abrir dos céus retoma também a abertura do livro de Ezequiel, sinalizando o momento especial da revelação divina. E falando do Filho do Homem, neste contexto, Jesus expressa a fortíssima imagem de Daniel 7, com a figura celestial representante de Deus para julgar o mundo e estabelecer Seu reinado.

Parte daí deste cenário um momento sem dúvida chocante para o discípulo Natanael, que o leva a mudar sua vida para sempre.

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