28 de novembro de 2010

O Retorno do Rei

E, como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do Homem. Porquanto, assim como, nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem. Então, estando dois no campo, será levado um, e deixado o outro; estando duas moendo no moinho, será levada uma, e deixada outra.
Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor.Mas considerai isto: se o pai de família soubesse a que vigília da noite havia de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria que fosse arrombada a sua casa.
Por isso, estai vós apercebidos também, porque o Filho do Homem há de vir à hora em que não penseis.

Evangelho Segundo São Mateus, 24.37-44.


Essa passagem, do Evangelho de hoje, é bastante difícil, desconcertante e impressionante. Infelizmente, tem dado lugar a muita difusão de superstições e confusões no seio das igrejas, gerado transtornos desnecessários e servido para que grupos poderosos lucrem com o anacronismo que nada versa sobre o contexto das pessoas imediatas que ouviram as mensagens de Jesus e de seus discípulos.

Para analisarmos brevemente, a qual imagem ela remetia para com a comunidade dos discípulos? Podemos ser iluminados ao voltarmos para o livro de Daniel, capítulo 7.

(...)e eis que com as nuvens do céu vinha um como Filho de Homem; ele chegou até o Ancião, e o fizeram aproximar de sua presença. E lhe foi dada soberania, glória e realeza: as pessoas de todos os povos, nações e línguas o serviam.


(...)
a seguir, os Santos do Altíssimo receberão a realeza, e possuirão a realeza para sempre e para todo o sempre.


(...) e o julgamento fosse dado em favor dos Santos do Altíssimo, e que chegasse o tempo e os Santos possuíssem a realeza.

Tomada no conjunto tendo em perspectiva todo o capítulo 7, tal visão desenvolve o tema a partir do sonho atribuído a Daniel durante o comando de Belshasar na Babilônia; o cenário mais amplo é de resistência e reafirmação da fé judaica ante a perseguição e pressão cultural, afirmando a esperança de que Deus não compactua nem deixará a ordem injusta deste mundo ter a palavra final; é retomada e/ou aludida em passagens importantes do Novo Testamento, que nos ajuda a refletir sobre a expectativa dos primeiros cristãos, sobre seu entendimento de si mesmos, de quem foi Jesus, e de Jesus sobre si mesmo e o caráter de sua missão. E o impacto que se desvela é a da expectativa quanto ao futuro e final da História, em que os mártires e dos fiéis perseverantes tomarão parte no Julgamento Final. Todas as estruturas e lógica de dominação do mundo seriam subvertidas, a partir da intervenção de Deus através de seu agente que levará a odisséia humana ao seu ápice: o Filho do Homem.

Podemos ver como essa crença foi tão marcante e universal na Igreja nascente, por vê-la ecoando em diversas comunidades e documentos. De Paulo para os Coríntios: Acaso, não sabeis que os santos julgarão o mundo?- I Co. 6.2. Compare com Daniel 7.18 a seguir, os Santos do Altíssimo receberão a realeza, e possuirão a realeza para sempre e para todo o sempre, ecoando em Apocalipse 5. 9-10; também nas passagens sobre herdar o reino de Deus, mesmo por contraste, como em I Co. 6.9 – referindo-se aos injustos. Ecoa também no hino de II Timóteo 2.11-14, de forma elaborada em que, de grande importância, podemos ver que a própria liturgia da Igreja assimilara a expectativa do papel de Jesus no que concebiam como a manifestação definitiva da glória de Deus e o reinado do povo eleito e a nova realidade. Reverbera também em Lucas 22.28-30, Vós sois os que perseveraram comigo nas minhas provações. E eu disponho para vós o Reino como o meu Pai dispôs dele para mim: assim, comereis e bebereis à minha mesa em meu reino, e vos assentareis sobre o trono para julgar as doze tribos de Israel, com ecos mais suaves em Mateus 19.28; 25.31.

E quanto ao arrebatamento? Temos hoje sensacionalismos supersticiosos e cabulosos fomentando nas pessoas idéias de carros batendo, aviões caindo, e Jesus aparecendo num ponto no Céu e pessoas subindo e a vida continuando, as pessoas sem entender, e um punhado de propaganda da visão política dos setores ultraconservadores dos Estados Unidos, como o Tea Party, usando terminologia cristã como isca. Algo que não tem nada a ver com a mensagem bíblica.

Para visualizarmos de forma mais aproximada e combatermos tal manipulação, uma passagem emblemática é a da carta de Paulo aos Tessalonicenses, 4.16-18. Ela é clássica.

Paulo emprega aí o famoso termo cristão “Parusia”. Desde séculos é empregado na tradição quando se reflete sobre a volta de Cristo. De onde ele, Paulo, tirou o termo? O que lhe inspirou a emprestar para ilustrar seu ensino?

Era empregado quando das vindas do Imperador às cidades, cheio de pompa e esplendor. Uma delegação vinha para cumprimentá-lo e os súditos vinham em festa para o acompanhar o cortejo imperial. Os arautos soavam as trombetas.

O slogan do Império Romano era Pax et Securis, Paz e Segurança. Se dizia que o Império trouxera o ápice da civilização, dando estabilidade, harmonia e coesão. Em Tes.5.3 Paulo afirma que tal estado das coisas estava na verdade era precedendo algo como um trabalho de parto no qual tudo será sacudido e o verdadeiro Rei virá para estabelecer uma ordem diferente e mais legítima. E ao contrário do Império, que se firmava através do alegado e vangloriado poder de impor a morte e abreviar a vida, a aurora do Reinado de Deus virá com a ressurreição e a vitória sobre a morte.

E o uso das imagens bem terrenas ligadas a símbolos e elementos celestes serve para ligar a Terra ao Céu, e dar a tonalidade cósmica, Universal, da esperança cristã. Nisso, como a advertência de Jesus, cabe a nós vigiar, porque o tempo ninguém sabe. E este irromper da Nova Criação, renovando todas as coisas, virá de forma estrondosa. Será o fechamento da História. Como vigiaremos?

Mais uma vez a Bíblia é o lugar, a lâmpada, para nos proteger da paranóia que alguns querem promover. E Paulo é revisitado para nos instruir sobre o que consiste esta vida de vigilância. Pois antes de nos advertir: “Tanto mais que sabeis o tempo em que vivemos: já chegou a hora de acordar, pois nossa salvação está mais próxima agora do que quando abraçamos a fé” - Rm. 13.12 – ele nos exortara: “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois quem ama o outro cumpriu a Lei” – 13.8. É em viver o caráter do novo Reinado de Deus, que mantemos acesas nossas lâmpadas para a chegada do Rei, vivendo na luz, aceitando o caráter deste Reinado que muito fora falado pelos profetas, como na visão de Isaías:.

Ele julgará as nações,
Corrigirá muitos povos.
Estes quebrarão as suas espadas, transformando-as em relhas,
e suas lanças, a fim de fazerem podadeiras.
Uma nação não levantará espada contra a outra,
E nem se aprenderá mais a fazer guerra”.

Isaías 2.4

E agora, tudo isso parece tão irreal, diante do cotidiano que nos apresenta...que apesar da renovação da fé e do amor na vivência cristã, na comunhão do Corpo e Sangue de Jesus, parece tão, tão... fora de cogitação, indiferente, que a vivência cristã deixa a esperança como tema central, de lado. Mas ante ao desânimo que este anti-clímax que o cotidiano e a “realidade” diária do mundo nos apresenta, mantenhamos a Esperança. Este é o sentido.

Consolai-vos, uns aos outros, com estas palavras.” I Tes. 4.18

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