15 de setembro de 2013

Percurso

Este é o texto 'Percurso", ao qual me referi na última crônica postada no "Cristianismo, Meramente".

Ele começou a se formar, para depois com ele aflorar um “si próprio”, sem alguma expressiva anunciação. Sim, projetava-se uma meia luz galgaz entrecortada, em passagens ao redor do ventre vogante que se contorcia (de dor?), uma ou outra meia-luz lívida como um reflexo de adaga úmida à pedra; por onde ele dimanaria, era uma mandala alvacenta que ia tomando a forma de um bolor. Nasceu.

Mas não houvera aquela cerimônia de um estrondoso ribombar de surdos de flandres, marchas de hostes e rasgados de carnes irradiadas e fulgurosas. Não houvera bailados de chicotes argênteos incandescentes. Mas um abafado - não de todo silente - gorjear de bolores aeriformes que foram ficando caldeados e túrgidos, como uma espuma de um sumo de chumbo.

Dimanara em um dia que veio sem chegar a nascer, em meio a incontáveis irmãos e irmãs. Falavam desvairadamente todos ao mesmo tempo, como num almoço de domingo em família numerosa de italianos, uma grande e amorfa família. Todos estavam vislumbrados e já nostálgicos, se cumprimentando e despedindo ao mesmo tempo.

Ficou maravilhado por ver aquele mundo para o qual saiu! Ele estava embebido nos brandos raios de claridade que nesse caldo, caldo tênue, invade e se esconde atrás das formas. Eram todos impelidos por uma força ignota, singrando um oceano de ar, e ela conferia um sentido para seus nascimentos e vidas, embora sem dar significado para suas existências - não sabiam em quê elas consistiam, para onde eram levados e afinal, o que realmente estavam fazendo. Não podiam superar a força, apenas continuar rasgando a resistência do vento que ao soprar dava contorno parabólico e distorcido às suas trajetórias.

Constatava que em meio aos irmãos e irmãs faziam algo que não seria apenas obra da diáfana luminosidade, ela não seria capaz de tanto; transfiguravam-lhe a frequência das ondas de reflexão nas formas e moldes em movimento que distinguiam. Em termos que eles ainda não tiveram tempo de aprender - e tempo era algo que lhes fora dado parco, apenas em efemeridade para imaginar como seria ter mais - as cores ficavam mais expressivas.

Conseguia olhar através de si mesmo, por meio dos reflexos do seu interior; via cenas e objetos foscos; as cenas e objetos foscos adquiriam padrões mais lapidados, pela perspicuidade fulcral da córnea que o torneava por inteiro. 

Percebia alguns traços de contornos concatenados, esvoaçando, atirando-se para todos os lados, agitados, assustados com o ímpeto da chegada da família, e quis brincar – como brincam as baleias orcas sem fome com as focas, os gatos com as baratas, os cães com os pássaros – excitado por um sentimento de poder.

 Até que, celeremente, se sentiu mais diminuto e seu ser foi invadido por uma comoção de transitoriedade, culminando quando a gota acometera e se dissipara numa poça entre rochas de ametista, desgastadas por musgos. Houve, por um singular instante, a sensação intensa de se converter em ressonâncias, de brotar de si um continuum, jorrando, enfrentando e irrompendo contra a força, até que...

Sobre a poça límpida quedara uma folha de carvalho emugrecida, pairando, flutuando...

"A Queda" - René Magritte


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