3 de novembro de 2012

Mensagem para o Domingo de Todos os Santos e Todas as Santas

Leituras Bíblicas

Sirácida 2,1-9
Efésios 1, 15-23
São Lucas 6,20-26.

"Um homem muito rico, ao morrer, deixou suas terras para seus filhos. Todos eles receberam terras férteis e belas, com exceção do mais novo, para quem sobrou um charco inútil para a agricultura. Seus amigos se entristeceram com isso e o visitaram, lamentando a injustiça que lhe havia sido feita. Mas ele só lhes disse uma coisa: 'Se é bom ou se é mal, só o futuro dirá'.

No ano seguinte, uma seca terrível se abateu sobre o país, e as terras dos seus irmãos foram devastadas: Mas o charco do irmão mais novo se transformou em um oásis fértil e belo. Ele ficou rico e comprou um lindo cavalo branco por um preço altíssimo. Seus amigos organizaram uma festa porque coisa tão maravilhosa tinha acontecido. Mas dele só ouviram uma coisa:'Se é bom ou se é mal, só o futuro dirá'.

No dia seguinte seu cavalo de raça fugiu e foi grande tristeza. Seus amigos vieram e lamentaram o acontecido. Mas o que o homem lhes disse foi: 'Se é bom ou se é mal, só o futuro dirá'.

Passado sete dias o cavalo voltou trazendo consigo dez lindos cavalos selvagens. Vieram os amigos celebrar essa nova riqueza, mas o que ouviram foram as palavras de sempre: 'Se é bom ou se é mal, só o futuro dirá'.

No dia seguinte seu filho sem juízo montou um cavalo selvagem. O cavalo corcoveou e o lançou longe. O moço quebrou uma perna. Voltaram os amigos para lamentar as desgraças: 'Se é bom ou se é mal, só o futuro dirá' o pai o repetiu. Passado poucos dias, vieram os soldados o rei para levar os jovens para a guerra. Todos os moços tiveram de partir, menos o seu filho de perna quebrada, os amigos se alegraram e vieram festejar. O pai viu tudo e só disse uma coisa: 'Se é bom ou se é mal, só o futuro dirá'.

Assim termina a história, sem fim e com reticências (...) Ela poderá ser continuada, indefinidamente. E ao contá-la, é como se contasse a estória de minha vida.

Tanto os meus fracassos quanto as minhas vitórias duraram pouco. Não há nenhuma vitória profissional ou amorosa que garanta que a vida finalmente se arranjou e nenhuma derrota que seja a condenação final. As vitórias se desfazem como castelos atingidos pelas ondas, e as derrotas se transformam em momentos que prenunciam um começo novo. Enquanto a morte não nos tocar, pois só ela é definitiva, a sabedoria nos diz que vivemos sempre à mercê do imprevisível dos acidentes. 'Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá'. "

em "As Melhores Crônicas de Rubem Alves", pg. 82

TEMA: O “Ainda Não” como motivo de viver o “Agora”

Incerteza inerente à vida. O risco do qual não se tem como fugir. Tentação de renegar a fé, de não suportar nenhuma dor ou mau em nome do bem, em “jogar o jogo” para ser bem estabelecido no mundo. Não temos garantias. Viver a virtude agora não oferece nenhum penhor de que aqui seremos bem-sucedidos ou estamos livre de quaisquer desgraças.

Então, pra quê perseverar? Pra quê arriscar? Nossas decepções e frustrações não nos dão as devidas desculpas para sermos condescendentes, e de consciência limpa, buscarmos “levar vantagem em tudo”, porque afinal, não faz sentido nos expormos a “fracassarmos” aqui?

Definitivamente, os padrões do chamado cristão, do sentido de viver chamado por Jesus, não são as chaves do sucesso aqui; a cruz, foi o exemplo de maior, fraqueza, humilhação e derrota para aquele mundo. Para um cidadão romano, só era utilizada caso fosse culpado de uma nojenta traição à pátria e servia para dizer que chegara ao extremo da vergonha. Era o castigo apropriado para escravos revoltosos, o serville suplicium.

Por isso o cristianismo tem sido alvo de ataques ao longo da história, como uma religião de fracos. Que usam a desculpa da esperança no porvir para aceitar fracassos do agora.

Essa acusação não esteve presente apenas no mundo moderno, embora tenha ganhado frequência nele com suas promessas de que o progresso da humanidade é inevitável.

Um grafite anti-cristão do segundo século de Roma, bem conhecido entre os historiadores que estudam o período, mostra um homem crucificado grosseiramente elaborado, com uma cabeça de burro, em que está uma figura humana, e sob este um escárnio rabiscado: "Alexamenos adora o seu Deus" [Alexamenos sebetai ton theon].

Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e, o que no mundo é insignificante e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é.  I Coríntios, 1, 27-28.

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No mundo dos inícios do cristianismo, a convicção geral das pessoas era de que toda a existência era regida e movida pela força do Destino. Se remetia sua expressão às estrelas, e ninguém escaparia dele. Nem os deuses estavam a altura do Destino. Muito da busca da sabedoria, seja mística, religiosa, filosófica, se dava em entender o destino saber aproveitá-lo o possível.

É estranho revisitarmos a história e pensar nestes termos. Muitas vezes parece que está certo. Coisas e situações costumam se repetir, com leves mudanças que só realçam os pontos em comum. Parece que não conseguimos escapar de certos padrões. Por outro lado, por diversas vezes se percebeu que o mundo estava seguindo uma tendência, todos julgavam tudo no mundo, as pessoas, ideias, crenças, comportamentos, enquanto utilidade ou obstáculo haveria de proporcionar para essa tendência. Achou-se ter captado a sintonia da realidade. Por diversas vezes na vida também é assim. Seja para o bem ou para o mal, enxergamos um horizonte como se fosse apenas uma linha de consequência em que desaguou o curso do rio que achamos estar a nado nele, derivado de uma leitura que fazemos da situação.

Até que vem o inesperado e sacode tudo. Aí, a história já começa a parecer um bêbado andando e trupicando, fazendo troça de tudo. Parece que tem alguém brincando com nossa vida.

Vamos continuar sempre ouvindo um caso sobre “progresso da humanidade”. E quanta coisa, quantas vidas já fora sacrificadas em nome disso? Seja para ajudar, acelerar o progresso, ou não atrapalhar. Contudo, por diversas vezes, as guerras mais monstruosas vieram depois de períodos de grande otimismo e louvor pelos tratados de paz, como a Guerra dos Trinta Anos, na Europa, depois do Tratado de Paz de Westfalia, quando todos achavam que finalmente o caos do mundo iria se consertar.

Reluta-se a admitir que a transitoriedade, que o fato de que vivemos uma realidade sempre transitória, passageira, faz com que não possamos dizer que em algum momento teremos um cenário para o qual apontaremos e diremos “é assim que as coisas são”. Não vivemos numa existência marcada pela estabilidade, embora ansiamos e buscamos trazê-la à força. Remédios, exercícios, livros, conselhos, buscas e fugas, fugindo da incerteza e querendo uma estabilidade para firmar os passos, deitarmos, estarmos seguros.

Mas qualquer segurança neste mundo é frágil. Como a imagem de uma areia que se querermos apertar as mãos, ela escorre. Por isto São Paulo escreveu, em I Coríntios 15, 19: Se pusermos nossa esperança em Cristo somente para esta vida, somos as pessoas mais dignas de piedade.

Por isto a crença na vida eterna. No caso da fé cristã, a crença na renovação do Universo, numa Nova Criação, em que tomaremos parte na sua nova realidade, não sujeita mais à decomposição, ressurretos. Nossa fé na ressurreição que participaremos juntos com toda a Criação de Deus.

Não é de forma alguma uma crença para alienar e tornar covarde as pessoas. Muito pelo contrário. É a única esperança de que podemos desafiar o absurdo, na vida, na história, e não ficaremos frustrados. Diversas pessoas lutaram contra atrocidades, males, injustiças, e não viram resultado algum. Diversas pessoas tentaram, em sua vida, não pagar o mal com o mal, abrir mão de um certo sucesso e prestígio não vendendo a alma para tal, não caindo em jogos sórdidos, e pelas aparências do mundo, ficaram frustradas enquanto outras chegaram ao topo. Diversas pessoas se pautaram pela justiça, amor, integridade, por servir ao próximo, por não buscar saciar o anseio de dominação sobre o outro, e o veredito que o mundo deu foi: fracasso. Fraqueza. Estupidez. Loucura. Não vale a pena! Não vale a pena!

Muito além então de ser um apelo alienante, para as pessoas se resignarem com os augúrios e males da vida e do mundo, esperando pelo “Céu” - a Redenção e Reconciliação da Existência com Deus no Renovar dos Tempos - serve de motivação para independente do que for, podermos não nos entregarmos a isto, não caracterizarmos nenhuma condição atual como definitiva, pois Deus não deixará nada perdido, esgotado, desperdiçado mas a coragem de não se entregar e se definir pela lógica do mundo, e todos os atos de amor machucados pelo desamor, serão matérias-primas para a construção da Verdadeira Realidade Eterna, por parte do próprio Deus. Nada será desperdiçado ou em vão.

Sem esse olhar da eternidade, essa é a realidade crua. É muita bobagem querer disfarçar dizendo que a luta dessas pessoas não se perdeu, continua viva em não sei onde. Não. Porque ninguém sabe se a qualquer momento, tudo vai se frustrar. Não se tem garantia de que tudo não será em vão. E a pessoa não está ciente de nada se está na memória de não sei quem. Não está vendo, sentindo, nada. E para tantas pessoas que são lembradas, muito mais caíram no limbo do esquecimento. Outras tantas foram traídas. E quem busca continuar o legado delas, pode também morrer a qualquer momento. Até mesmo a daqui a pouco.


Por que nos expomos continuamente ao perigo? Dia após dia estou morrendo. Juro, irmãos, pelo orgulho que sinto de vós diante de Cristo Jesus Senhor nosso. Se por motivos humanos lutei com as feras em Éfeso, de que me serviu? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, pois amanhã morreremos. I Co. 15, 30-32.

Jesus, com as bem-aventuranças, está revertendo, pondo de cabeça-para-baixo os valores consagrados, “normais”, aqui na sociedade terrena. Em comparação ao projeto de Deus para seu Cosmo renovado, estamos numa era “torta”, em um mundo “torto”; e os valores norteadores deste projeto divino, atualmente, são “tortos” para este mundo. Bonitinhos e gostosinhos às vezes para se sentir no fundo do peito ou na ponta da colher, mas não para pautar a “vida real”. A esperança cristã manifestada em Jesus Cristo é que a vida, a existência, e estes valores finalmente se “ajustarão” na ressurreição, e então, não hão de cair no Nada, não estarão perdidos para sempre, todos os atos de desafio ao mundo feitos pela mais humilde e esquecida figura humana. Se converterão em fôlego de vida, um fôlego que não se acaba, alimentados por uma chama que não se apaga, a que criou a primeira fagulha do primeiro sol, a energia do Espírito de Deus.


Este Espírito vem com amor e graça entrar em comunhão com a gente, nos chamando a Si, já no agora. E cremos estar presentes aqui. É nessa comunhão com Ele que nos unimos hoje aos Santos e Santas de Deus na história, os de dentro da Igreja, e os de fora da Igreja, incluindo aqueles que só Deus conhece. Na compreensão da tradição anglicana, comemoramos e prestamos homenagem e deferência aos Santos e Santas, não como pessoas dotadas de um poder especial para intermediar entre nós e o Sagrado, nem para operar feitos miraculosos. Mas como exemplos de pessoas que foram pecadores e pecadoras como nós, imperfeitos, falhos, mas cuja vida teve um peso, significado ou papel edificador importante para a história da igreja ou para o testemunho cristão no mundo, glorificando Deus e servindo para fazer seu Reinado mais presente no mundo.

Que esta reflexão seja trabalhada pelo Espírito, para que em Cristo, nenhum feito ou testemunho destes irmãos e irmãs, seja em vão. Honremo-los.

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