5 de junho de 2011

Significando o Reinado de Deus

Este sermão foi pregado alguns anos atrás, na ocasião de minha Confirmação (ou Crisma), pelo Reverendo John Kater, na Paróquia Anglicana de São João Batista, em Nova Lima - Minas Gerais. Ficou marcado para sempre, a força moral e o carinho da pregação.


                Que alegria estar com vocês neste Ofício quando nos reunimos com o bispo para celebrar uma vez mais a festa da SS. Trindade. Celebração especialmente festiva porque também temos a felicidade de testemunhar a confirmação de nossos irmãos e irmãs em Cristo. Que hoje afirmam a sua fé em Cristo e seu desejo de integrar-se profundamente à Igreja e a esta congregação do Corpo de Cristo. Espero que o meu português seja suficiente para comunicar-lhes minha alegria e também minhas reflexões sobre a leitura do Evangelho de hoje.

                Este domingo do ano cristão e o evento da confirmação que celebramos tem algo em comum, pois ambos nos fazem pensar em questões de identidade. A identidade nossa e a identidade de Deus. Na história de Nicodemos, Jesus confronta um homem seguro na sua própria identidade, um mestre, um rabino, uma pessoa considerada pelos judeus como “expert” nas coisas de Deus, uma pessoa respeitada pelo que é, pelo que sabe, pelo posto que ocupa na sociedade; uma pessoa segura no conhecimento que tem de Deus. Ele supõe que a sua identidade fica clara. Ele pondera que sabe quem é. E Jesus lhe diz que a identidade em que confia não é a identidade que importa. A identidade que importa é outra: é a identidade que temos como filhos e filhas de Deus. Isso significa que no fundo, no coração, a identidade que mais importa não depende do que sabemos, nem o posto que ocupamos na sociedade, nem quem eram nosso pai ou nossa mãe. A identidade que mais importa não se compra, nem se ganha, porque é um presente, um presente gratuito da parte de Deus. Por pura graça, só por amor, Deus nos adota como parte da sua família. Isso é o que significa nosso batismo. 

                 A água do batismo é o sinal e símbolo da vida. E como filhos e filhas de Deus temos herdado a promessa de Cristo que o nosso destino é a vida, e vida em abundância. Nossa identidade como cristãos, como filhos e filhas de Deus, nos faz membros de seu reino. Realmente é um nascimento, um nascimento novo como diz Jesus. Deus já nos conhece como seus filhos. A questão é, reconhecemos também nossa própria identidade como membros do seu reino? Vamos deixar que nossa vida seja dirigida pelos valores do reino ou pelo que nos dá o mundo? O mundo nos diz que devemos valorar mais que nada a nossa própria segurança, o nosso sucesso, os nossos interesses. O reino de Deus afirma que é mais importante viver em solidariedade com nossos vizinhos . 

                 O mundo nos dia que a violência é a maneira de obter o que desejamos. O reino de Deus é um reino de paz, porque se sabe que a violência sempre conduz a violência. O mundo nos diz que só devemos preocupar-nos com nossas próprias necessidades. O reino de Deus nos recorda que quando uma criança passa fome, Deus mesmo sofre a mesma dor. O mundo nos diz que sempre há ricos e pobres, poderosos e débeis, gente importante e gente sem valor. O reino de Deus nos promete um mundo de abundância onde já não existe miséria e cada pessoa é preciosa aos olhos de Deus. O mundo nos diz que há boa sorte e má sorte. No reino de Deus celebramos a vida como uma festa. O mundo nos diz que o que vemos na televisão, nos jornais, é inalterável. Que devemos aceitar o mundo como é. O reino de Deus é a promessa de Deus que tudo é possível, tudo pode mudar. 

                A confirmação é o momento quando aceitamos essa identidade que se tornou nossa no batismo. É o momento quando dizemos nosso próprio “sim” ao presente de Deus e ao seu reino. É o momento quando respondemos ao convite Dele e tomamos a decisão de caminhar como cidadãos do reino. E como Jesus explica a Nicodemos: Nossa participação no reino é assunto do Espírito Santo. Esse poder misterioso de Deus que fortaleceu Jesus para o seu ministério, que fortaleceu também os seus amigos na festa de Pentecostes e os transformou em ministros.

               Na confirmação celebramos a presença do Espírito Santo que também nos fortalece e nos faz ministros a serviço do mundo e dos nossos vizinhos para que a oração de Jesus seja cumprida: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”. A confirmação nos liga com esse sonho e essa oração. Realmente confirma a nossa identidade como filhos e filhas de Deus. Esta celebração também nos fala da identidade de Deus porque nós reconhecemos Deus como criador e como Palavra de amor e como Espírito de vida. 

               A doutrina da Trindade é um dos aspectos mais difíceis de ser entendido, de tudo aquilo que dizemos de Deus. Sempre devemos reconhecer que nunca vamos compreender por completo o ministério de Deus. Se não compreendemos as pessoas por completo, se nem compreendemos a nos mesmos por completo, como podemos supor que compreendemos quem é Deus? Não vou tentar explicá-lo, porque penso que é impossível “explicar” Deus. Porém se não o conhecemos por completo, de algum modo sabemos algo de Deus. Porque Deus mesmo quer que saibamos algo de como Ele é. Quer que saibamos que Ele é quem criou este mundo. A vida não é acidente, não é sem valor. Foi sonhada por Deus e portanto é sagrada, digna de nosso cuidado. E sabemos algo do amor de Deus, por conhecemos a história de Jesus Cristo, o amor divino feito carne para nós. Jesus é a palavra de Deus porque na sua vida e morte aprendemos algo de quem é Deus. 

                Apreendemos que não é um Deus ausente, nem um Deus desinteressado. Porém um Deus disposto a fazer tudo para dar-nos um “bem vindo” ao reino. A fazer tudo para que compreendamos com quanto amor Ele nos abraça e nos convida a sua festa de vida. Também temos aprendido do Espírito de Deus, a sua maneira atual de viver conosco. O Espírito que nos anima e nos dá força para confrontar qualquer ameaça, qualquer desafio, porque sabemos que nesses momentos não somos solitários, mas companheiros do Deus da vida e do amor. 

                Sim, a identidade de Deus fica misteriosa, mais profunda. Mas neste dia quando lembramos a SS. Trindade, o Deus criador, Palavra e Espírito, lembremos que é esse Deus a cujo reino pertencemos. Que é esse Deus em quem confiamos nossa fé. Que é esse Deus que hoje nos acompanha e que agora abraça essas pessoas confirmadas e cada um de nos. Que é este Deus, o Deus de Jesus Cristo, o Deus do Espírito Santo que agora nos convida à mesa para encontrarmo-nos com seu filho Jesus, como também filhos e filhas de Deus e, como irmãos e irmãs uma vez mais receber a sua vida no pão e vinho, símbolos de seu amor e da vida que nos une

Amém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário