O teólogo e filósofo da religião Paul Tillich marcou minha vida com seu livro “A Coragem de Ser”, que vira e mexe nas labutas da vida volta à mente em momentos que tenho que peitar a luta das incongruências que vêm nos abater, enfrentando de peito as pelejas da existência. Há algumas observações sui generis focando o drama de Lutero no prisma existencial e psicológico, à luz da filosofia de enfrentamento e postura afirmativa e corajosa a despeito de tudo o que nos ameaça destruir, que o livro encoraja.
Vivemos em nosso contexto a ressaca do complexo de Prometeu. Queimamo-nos com o fogo que pensávamos ter roubado dos deuses, mas na verdade encontramo-lo queimando num pau seco num canto. E nossos “Prometeus” não nos tinham contado qual o interesse em nos dar tal fogo, e qual o preço.
Uma palavra hoje muito falada: depressão. “A Organização Mundial da Saúde definiu o transtorno depressivo, como a quarta maior causa de impacto entre todas as doenças no mundo” - DEMETRIO, FN. O impacto da Depressão na Saúde. Revista Racine, nº 81, ano XIV, julho/agosto, p. 10-30, 2004.
“É a principal causa de incapacidades e a segunda causa de perda de anos de vida saudáveis entre as 107 doenças e problemas de saúde mais relevantes. Uma em cada quatro pessoas em todo o mundo sofre, sofreu ou vai sofrer de depressão”.
A entidade aponta “que, nos próximos 20 anos, a depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo. Em 2030, ela será sozinha a maior causa de perdas entre todos os problemas de saúde”.
Isso, afora o sentimento de “náusea” que Jean Paul Sartre caracterizava bem, um estado nublinado em nossa alma, algo que não é depressão em sentido clínico, mas nos assombra. E o que as igrejas têm oferecido diante desse contexto? Qual mensagem e como ela tem lidado com tal situação? De forma sofrível, tenebrosa, pelo menos . Desonestas e oportunistas, muitas simplesmente adotam a tática de tirar proveito, salpicando tudo quanto é tipo de problema pessoal pelos quais todos estão sujeitos a passar para criar um ambiente de pesada carga emocional, e que os próprios pregadores – leigos e ordenados – passam, dizendo que aqueles que se submeterem à sua rotina e particularidades estarão livres deles. Que ninguém passará por eles se obedecerem-nas. Vendem auto-ajudas minguadas cheias de frases-feitas ocas, chantagens emocionais... E umas outras, esnobam a situação, como se fossem auto-suficientes e esclarecidas demais para se preocupar com questões existenciais e com esse problema da depressão. Relegam as alternativas à indústria farmacêutica e agem como se o cristianismo não tivesse nada a ver com isso. “Paz, paz” quando não há paz.
Desta forma eu retomo as reflexões de Tillich no livro sobre Lutero, que penso que podem iluminarmo-nos e proporcionarmos explêndidos subsídios para podermos refletir na postura enquanto cristão de encarar esse “mal-estar na civilização” de frente, com honestidade, sem escapismo, sem falta de coragem, sem delegar responsabilidades, sem promessas simplistas e hipócritas, mas com algo substancial. É isso. Lutero, com seus erros, acertos, dúvidas e ambigüidades, com sua humanidade pecaminosa tocada pelo Senhor da Graça ao qual se apegou a mais do que a si mesmo, tem uma história multidimensional que fala a nós hoje no século XXI. Por Paul Johannes Oskar Tillich, em “A Coragem de Ser:
A coragem da confiança de Lutero é confiança pessoal, derivada de um encontro de pessoa-para-pessoa com Deus. Nem papas, nem concílios podiam dar-lhe esta confiança.
P. 123.
Por isto é que a coragem da confiança, tal expressa em homens como Lutero, enfatiza sem cessar a confiança exclusiva em Deus, e rejeita qualquer outra base para sua coragem de ser, não só como insuficiente, mas porque o conduz a mais culpa e a ansiedade mais profunda.
Pg. 126
Segundo o cristianismo, estamos extraviados de nosso ser essencial. Não somos livres para realizar nosso ser essencial, estamos sujeitos a contradizê-lo. Portanto, a morte pode ser aceita só através de um estado de confiança no qual a morte cessou de ser a “recompensa do pecado”. Isto, contudo, é o estado de ser aceito a despeito de ser inaceitável. Aqui está o ponto em que o mundo antigo foi transformado pelo cristianismo, e no qual a coragem de Lutero de enfrentar a morte estava plantada. O ser aceito na comunhão com Deus é o fundo desta coragem, não uma duvidosa teoria da imortalidade. O encontro com Deus, em Lutero, não é meramente a base para a coragem de tomar sobre si pecado e condenação, é também a base para tomar sobre si destino e morte. Pois encontrar Deus significa encontrar segurança transcendente e eternidade transcendente. Aquele que participa de Deus participa da eternidade. Porém, a fim de participar dele, você deve ser aceito por ele, e deve ter aceito sua aceitação de você. Lutero experimentou o que ele descreve como ataques do mais profundo desespero (Anfectung), a horripilante ameaça da completa insignificação. Para ele estes momentos eram ataques satânicos nos quais tudo estava ameaçado: sua fé cristã, a confiança em seu trabalho, a Reforma, o perdão dos pecados. Tudo entrava em colapso nos momentos extremos deste desespero, nada era deixado da coragem de ser. Lutero, nestes momentos, e nas descrições que fornece deles, antecipou a descrição feita pelo existencialismo moderno. Mas para ele isto não era a última palavra. A última palavra era o primeiro mandamento, a declaração de que Deus é Deus. Recordava-lhe o elemento incondicional na experiência humana, do qual pode-se estar certo, mesmo no abismo da insignificação. E esta certeza o salvou.Encararmos os "nossos demônios" de frente, sermos valentes, com ombridade e responsabilidade para tal; sermos honestos e humildes suficientes para admitir nossas tormentas, nossa fraqueza e medo, pois fazem parte da natureza ambivalente do mundo, não se suprimem artificialmente; e depositar nossa força não em nós mesmos, não em alguma "lei imanente das coisas", num karma ou resposta-pronta, mas na Graça, e nAquele que é a fonte da graça, cujo poder se aperfeiçoa na fraqueza. Pois dentre a grande riqueza do tesouro da tradição cristã, a contribuição do princípio protestante é essa: nenhum humano e nenhum constructo humano pode se interpor entre a consciência de alguém e Deus, pois é de Deus quem parte a busca.
p.128-129.
Deixamos de brinde alguns pratos apimentados de Lutero...
Algumas de suas 95 teses que profetizam hoje:
28 – É certo que, quando uma moeda soa, cresce a ganância e a avareza; mas a intercessão da Igreja está unicamente na vontade de Deus.Igreja reformada...sempre reformando?
43- Deve-se ensinar aos cristãos que dar aos pobres ou emprestar aos necessitados é melhor obra que comprar perdões.
45 – Deve-se ensinar aos cristãos que um homem, que vê um irmão em necessidade e passa ao seu lado para dar o seu dinheiro na compra dos perdões, merece não a indulgência do papa, mas a indignação de Deus.
46 – Deve-se ensinar aos cristãos que – a não ser que haja grande abundância de bens- são obrigados a guardar o que é necessário para seus próprios lares e de modo algum gastar seus bens na compra de perdões.
62- O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus.
65 – Assim os tesouros do Evangelho são redes com que, desde a antiguidade, se pescam homens de bens.
66 – Os tesouros das indulgências são redes com que agora se pescam os bens dos homens.
92 - Portanto, se retirem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “paz, paz” e não há paz.
Do Cativeiro Babilônico da Igreja:
(...)A confissão privada – a única praticada – embora não possa ser provada pela Escritura, é muito recomendável, útil e até mesmo necessária. Não quereria que ela cessasse, antes me alegro de que ela existe na Igreja de Cristo, pois é o único remédio para a consciência perturbada...a única coisa que me aborrece é o uso da confissão para favorecer o despotismo e as exações dos pontifícies.
Catecismo Breve:
Artigo Segundo: Sobre a Redenção
“Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, nascido da virgem Maria, é meu Senhor que me resgatou a mim, homem perdido e condenado, me ganhou e me livrou de todos os pecados, da morte e do poder do demônio, não com outro e prata, mas com seu santo e precioso sangue e com sua inocente paixão e morte, de modo que eu lhe posso oferecer e viver em seu reino, submisso ao seu poder, servi-lo em eterna justiça, inocência e bênção, do mesmo modo como ele ressuscitou dos mortos e vive e reina por toda a eternidade. Esta é uma verdade digna de fé."
E aqui estamos nós...
Soli Deu Glori.