20 de julho de 2009

Dia do Amigo



Apesar de (e talvez, felizmente) muito menos explorado pelo mercado e pela publicidade mercadológica, em relação a outras datas dedicadas aos relacionamentos, hoje se comemora o Dia Mundial do Amigo. Sim, hehe, lembro muito bem dos episódios do Chaves sobre as Festas da Vizinhança, e mesmo o Dia do Amigo, rsrs.

Sem dúvida é algo que confere cor, sabor e aroma à nossa peregrinação - a amizade. Amizade que nunca nem ninguém pôde contar com o número de “1 milhão”, como Roberto Carlos dizia que gostaria, mas que mesmo uma, uma amizade sincera na vida é de valor inestimável.

O livro biblico sapiencial de Provérbios dedica alguns aforismos diretos e claros, como é sua característica, a respeito da amizade, algo muito prezado pela sabedoria antiga e tema de grandes baladas épicas e provérbios: "Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão." – Provérbios 17-7.

O livro de Sabedoria, importante obra também da literatura judaica, ressalta: "Não te esqueças de teu amigo nos teus pensamentos; no meio da riqueza, não percas a sua lembrança." – 37.6

Santo Agostinho narra em suas “Confissões” sobre um período de muita dor quando da morte de um amigo. Eles foram criados juntos, companheiros de infância, de escola, mas que só se estabeleceu uma amizade íntima tempos depois, quando lecionavam juntos, ainda jovens. Eram companheiros de confissões mútuas, folgazarras e discussões filosóficas. Agostinho conta que afastara o amigo da fé cristã [ali ele narra sua vida na época de apostasia da fé da mãe]. E que este, atingindo por dores e febres, convalescente, fora batizado estando inconsciente por medo de que estivesse à beira da morte. Durante um momento de boa melhora, Agostinho fora até ele e se pusera a zombar do batismo, dizendo que nada valia já que o amigo não estava provido da plena faculdade de sentidos quando fora feito. Para seu espanto, o amigo o admoestou e disse que se Agostinho quisesse perpetuar a amizade não falasse mais com ele assim. O filósofo decidira deixar a discussão para mais tarde quando o moço se restabelecesse de vez. Nunca aconteceu.

Deixo aqui fragmentos de suas memórias, em que Santo Agostinho desabafa, já enxergando seu passado à luz da sua nova vida, abraçada a fé, após o encontro com Cristo. Escutemos o seu desabafo, ao relembrar o acontecido, repleto de emoção, vivacidade e honestidade com Deus e consigo mesmo:

Que dor fez anoitecer o meu coração! Tudo o que via era morte para mim. A pátria me era um suplício, e a casa paterna tormento insuportável, e tudo o que o lembrava transformava-se para mim em crudelíssimo martírio. Buscavam-no por toda parte meus olhos, e o mundo não mo devolvia. Cheguei a odiar todas as coisas, porque nada o continha, e ninguém mais me podia dizer como antes, quando chegava depois de alguma ausência: “Ali vem ele”.
(...)
Maravilhava-me de que sobrevivessem os outros mortais a seus amados se nunca houvessem de morrer; e mais me maravilhava ainda de que, morto ele, eu continuasse a viver, porque eu era outro ele. Bem disse um poeta quando chamou ao amigo “metade da sua alma”. E eu senti que minha alma e a sua não eram mais que uma em dois corpos, e por isso causava-me horror a vida, porque não queria viver pela metade; e ao mesmo tempo tinha muito medo de morrer, para que não morresse de todo aquele a quem eu tanto amara.
(...)
O que mais me confortava e alegrava eram sobretudo as consolações de outros amigos, com os quais partilhava o amor para o que amava tem teu lugar, isto é, uma fábula enorme, uma longa mentira, cujo contato impuro corrompia nossa mente, arrastada pelo prurido de ouvir aquilo que a agradava; fábula esta que não morria para mim, ainda que morresse algum de meus amigos.
Outros prazeres havia neles que cativavam mais fortemente minha alma, como conversar, rir, agradar-nos mutuamente com amabilidade, ler juntos livros bem escritos, gracejar uns com os outros e divertir-nos juntos; às vezes discutir, mas sem ódio, como quando discordamos de nós mesmos para, com tais discórdias muito raras, temperar as muitas conformidades; ensinar ou aprender reciprocamente muitas coisas, suspirar impacientes pelos ausentes e receber alegres os recém-chegados. Estes sinais, e outros semelhantes, que procedem de corações que se amam, e
que se manifestam no rosto, na fala, nos olhos, e em mil outros gestos graciosos, inflamavam nossas almas, como em uma centelha, fazendo de muitas uma só.

É isto o que se ama nos amigos; e de tal modo se ama, que a consciência humana se julga culpada se não ama ao que a ama, ou se não retribui amor com amor procurando na pessoa do amigo apenas o sinal exterior de sua benevolência. Daqui o pranto do luto quando morre um amigo, as trevas de dores, e as lágrimas que inundam o coração quando a doçura se transforma em angústia, e a morte dos que morrem na morte dos que vivem.
Bem-aventurado o que te ama, Senhor, e ama ao amigo em ti, e ao inimigo por amor a ti; só não perde o amigo quem tem a todos por amigos nAquele que nunca se perde. E quem é este, senão nosso Deus, o Deus que fez o céu e a terra, e os enche, porque, enchendo-os, os criou?
Ninguém, Senhor, te perde senão o que te abandona.

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